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    Religioso acusado de pedofilia obteve guarda de um garoto órfão de 12 anos

    DE SÃO PAULO

    22/07/2014 02h00

    Acusado de pedofilia por quatro ex-integrantes de corais de meninos que dirigiu, dom Marcos de Santa Helena, fundador da Ordem de Santa Cecília, obteve em novembro de 2007 a guarda judicial de um menino de 12 anos, órfão de pai e mãe.

    A tutela foi dada "a pedido da primeira-dama do município de Caçapava do Sul (RS)", segundo consta no próprio currículo do religioso.

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    O adolescente teria sido acolhido no mosteiro para evitar seu encaminhamento para a Febem de Porto Alegre. "P. I. recebe aqui toda a assistência material, educacional, médica, cultural, social, espiritual e religiosa gratuitamente", lista o religioso, ao salientar esta e outras contribuições à comunidade.

    Padre Gabriel, 36, responsável pela parte administrativa do mosteiro, cita o fato em defesa do fundador da Ordem de Santa Cecília, em entrevista à Folha. "As acusações são absurdas. Quem é pedófilo vai ser sempre. Não é o caso de dom Marcos. Como as autoridades teriam entregue a ele uma criança?"

    Cláudia Fernandes, coordenadora do Conselho Tutelar de Caçapava do Sul, confirma que foi dado a João Marcos Maciel um termo de responsabilidade sobre o órfão, há quatro anos. "A tutela durou pouco tempo, pois o adolescente, típico garoto problema criado nas ruas, não se adaptou à disciplina do mosteiro."

    Hoje, ele tem 16 anos e continua sob a responsabilidade do órgão. Quanto a eventuais abusos dentro do mosteiro, a conselheira tutelar diz que o adolescente foi ouvido e afirmou não ter sido vítima de violência física ou sexual. "No relato dele, o bispo era mais que um pai." E completa: "Tudo que esse garoto tem hoje de bom se deve ao tempo que passou lá." Segundo a conselheira, o local é vistoriado com regularidade.

    O mosteiro também oferece cursos de flauta doce e canto para crianças carentes. O ensino de música cabe atualmente a pupilos de dom Marcos, como Elias do Espírito Santo, 35, um dos três monges que vivem no mosteiro, distante três quilômetros do centro da cidade.

    Monge Elias é o organista na missa dominical acompanhada pela Folha e seguida por apenas dois casais. No altar, estavam o bispo, os três monges e dois coroinhas. A liturgia é marcada por cantos gregorianos.
    Dos 8 aos 11 anos, Elias fez parte do coral Bem-te-vis de Novo Hamburgo. "Que primava pela excelência não somente musical, como também ético, moral", segundo elogio que publicou na página do bispo no Facebook, retirada do ar após a publicação das denúncias de três ex-integrantes que dizem terem sido abusados sexualmente pelo então maestro.

    "Como meninos cantores aprendíamos desde nos higienizarmos, até a mais alta música coral e instrumental dos grandes mestres sacros", relata o monge, de 38 anos. "Aprendemos também a ser sensíveis, humanizados e disciplinados."

    À Folha, dom Marcos creditou as denúncias de pedofilia e as desistências de tantos pupilos ao excesso de disciplina. "Tenho uma formação germânica. Hoje, eu não seria tão rigoroso."

    E dá outra justificativa para seu rebanho ter minguado nos últimos tempos. "Aqui já vieram vários rapazes que tinham maus costumes na homossexualidade. Estamos em poucos, porque a maioria dos que querem vir para os mosteiros são dessa linha. Aqui não é casa para ninguém vir deitar com ninguém."

    Marcelo Ribeiro, que o acusa publicamente de ter abusado sexualmente dele dos 12 aos 15 anos de idade, rebate: "Dom Marcos não mudou a forma de atuar. Vários monges que deixaram a Ordem de Santa Cecília relatam abusos físicos e psicológicos. E creio também sexuais, mais difíceis de serem admitidos".

    Em 2009, a direção do mosteiro de monges cecilianos de Caçapava do Sul se desligou oficialmente da comunhão da Igreja Católica. Os monges adotaram o nome cismático de Ordem Anglicana Santa Cecília. O fato ocorreu após uma visita canônica realizada no mosteiro em setembro de 2008, ordenada por dom Irineu Wilges, bispo ao qual estava subordinada a ordem dirigida pelo padre João Marcos.

    Depois de uma fase em que funcionou como arquiabadia anglicana, os religiosos passaram a se declarar "veterodoxos", por seguir a doutrina mais antiga do catolicismo, com missas em latim e ritos do século 6º. Os monges, no entanto, são atualmente independentes e não mantêm vinculação hierárquica com a Igreja Católica ou qualquer outra ordem religiosa estabelecida.

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    por Eliane Trindade

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    É editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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