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    Rede Social

    A política por uma socialite

    14/10/2014 03h00

    Ana Paula Junqueira voltou de Londres, um de seus endereços ao redor do mundo, para votar no primeiro turno das eleições. Desta vez, só como eleitora.

    Jet-setter que anda de pulseirinha VIP pelo mundo, ela compareceu às urnas em quatro oportunidades para votar em si mesma: em 1994 para deputada federal, pelo PMDB; em 2002 para deputada federal, pelo DEM; em 2010 para deputada federal, pelo PV; e em 2012 a uma vaga na Câmara de Vereadores de São Paulo, de novo pelo PMDB.

    Desde a primeira candidatura aos 23 anos até a última, duas décadas depois e passando por três partidos, sempre chamou a atenção o perfil da paulista de Santa Rita do Passo Quatro (253 km da capital), filha de fazendeiros, que teve mais de 40 mil votos na primeira tentativa de chegar à Câmara dos Deputados. Ficou na suplência, mas não desistiu de chegar à Brasília pelo voto.

    O perfil público de Ana Paula no Facebook a identifica como política e tem 7.741 fãs, quase o mesmo número de votos que teve na última campanha. Não conseguiu se eleger vereadora, o que a levou a não se candidatar novamente em 2014.

    Já no Twitter, ela tem 45,2 mil seguidores. Sua foto nos perfis das redes sociais ainda é a mesma dos santinhos de campanha. "Deveria ser modelo", escreveu um potencial eleitor, ao comentar um post.

    RÓTULO DE SOCIALITE

    Ana Paula diz ser vítima de preconceito por ser rica e bonita. Odeia o "rótulo" de socialite, aposto que certamente não a ajudou no teste das urnas. "Quase cheguei lá três vezes. O quase é horrível", resume, sobre a experiência no corpo a corpo eleitoral, sempre com roupas e sapatos de grife, mesmo em carreatas na periferia, onde diz ter sido sempre muito bem acolhida.

    E o aposto incômodo? "Em alguns países é incrível ser socialite, mas no Brasil é assim, sou só isso. Não me sinto socialite. Apesar de ser de uma classe mais privilegiada, tenho muitas outras coisas para acrescentar."

    Vestida com roupa de ginástica, pele e maquiagem impecáveis, ela sorve com lábios carnudos um cappuccino em um café na Oscar Freire, nos Jardins, onde discorre sobre uma socialite na política ou a política por uma socialite.

    ATINGINDO O POVO

    A origem social pode criar barreiras? "Tipo assim, com o meu eleitor não cria. Quando eu chego até ele, consigo atingi-lo. O povo nem vê isso em mim", responde Ana Paula. "As minhas posições são muito claras e minha vida é muito tranquila."

    Ela vive no circuito Paris, Nova York, Londres. Passa férias de verão em sua espetacular mansão em Saint-Tropez. As de inverno, em Courchevel, estação de esqui nos Alpes franceses. Em São Paulo, abre as portas de seu casarão no Jardins para amigas como a top Naomi Campbell, estrelas internacionais como Elton John, e políticos, como Marina Silva, sua candidata desde 2010.

    Foi chamada de "pobre candidata rica" pela "Veja São Paulo" diante de uma declaração de bens entregue ao Tribunal Superior Eleitoral em 2012: R$ 120 mil, referentes ao valor de quatro veículos. É dona de uma empresa, a Anai Holding, que tem como sócia majoritária uma offshore chamada de Tynwald Limited, com sede nas Ilhas Virgens Britânicas.

    Uma das prestações de conta ainda lhe dá dor de cabeça.

    Em agosto de 2013, a revista "Época" noticiou: "Rapa no Jardim América". "Foi uma cena pouco usual para um endereço tão chique No último dia 26, um caminhão estacionou e recolheu bens arrestados da socialite Ana Paula Junqueira." A execução judicial de R$ 58 mil era em nome da gráfica Flims, que diz ter imprimido santinhos para candidata a deputada pelo PV em 2010.

    Ana Paula explica que recorreu da decisão e ganhou em primeira instância. "Meu financeiro não aceitou a nota, pois o fornecedor mandou material errado e devolvemos. "

    CAMPANHAS CARAS

    Mesmo com posses e conexões, Ana Paula reclama que o custo de uma campanha eleitoral é absurdo. "Para eleger um deputado hoje é preciso pelo menos R$ 2 milhões, o mínimo para fazer uma boa campanha.

    Senão é complicado. Não me candidatei de novo, pois o sistema atual é muito difícil."

    Na linha "não tá fácil pra ninguém", a mulher do bilionário sueco Johan Eliasch, dono da marca de artigos esportivos Head, alinha-se com os defensores da reforma polícia e do financiamento público dos partidos.

    "Tem que ter reforma política amanhã. Ou melhor, hoje. Ganhar eleição por causa de dinheiro é muito complicado, pois você fica refém das pessoas às quais pediu." Ana Paula diz ter colocado recursos próprios em suas campanhas. "Tudo é caro. Perco dinheiro, me desgasto."

    Por isso, defende o voto distrital misto. "Eu teria mais chance. Não seria tão desigual. Você consegue controlar os gastos. Todo mundo fala que gastou X, mas acaba gastando muito mais."

    DO HIGH SOCIETY

    Pela política, ela chegou a sacrificar por um período o estilo de vida de glamour e festas do "high society" mundo afora. Em 2010, anunciou a separação para se dedicar de corpo e alma ao projeto de chegar a Brasília pelo voto. "Um conto de fadas bilionário trocado pela política" era o título da entrevista dada à revista "IstoÉ Gente".

    Passados quatro anos e o casamento reatado, Ana Paula fala em perspectiva desse projeto ainda não realizado. "Sempre morei fora do Brasil e via as coisas funcionando lá. Nunca entendi por que aqui a gente não pega as ideias de todos esses países que funcionam e traz pra cá. E só buscar gente qualificada."

    Ela fornece as próprias credenciais para se incluir no time: "Eu sempre gostei dessa questão de usar sua cabeça para poder mudar a vida dos outros. Sempre quis entrar na política para fazer a diferença. Além de ter sido sempre engajada na causa ambiental, que é uma causa de que eu gosto muito e levo no meu coração. É isso que tento explicar às pessoas, mostrar qual a importância de cuidar do nosso meio ambiente". Bandeira que a levou ao PV, em uma passagem relâmpago, e a aproximou de Mariana Silva.

    Ana Paula e o marido são dono de um latifúndio na Amazônia. "Temos 140 mil hectares lá. Era um projeto de manejo e agora é só área de proteção", explica. A área esteve sob investigação do Ibama, em processo que afastou o sueco do Brasil. "A ONG do Joahn está no mundo todo, menos no meu próprio país."

    Ela lembra que marido foi "praticamente ministro" de Gordon Brown, primeiro-ministro do Reino Unido e líder do Partido Trabalhista entre 2007 e 2010. "Durante muitos anos, eu ia anualmente para Davos [Fórum Econômico Mundial]. Lá, você tem uma relação mais estreita com líderes mundiais. Fica bem próximo. Sempre fui para muitas conferências no mundo, que eram privadas, para poucos. Isso tudo me fez ter um network e conhecer pessoas que estão dando soluções para seus países." Cita Bill Clinton e Nelson Mandela. "Foi uma bagagem muito boa pra mim."

    SIMPLICIDADE

    Ressalta ainda sua relação com o Brasil profundo. "Eu gosto muito de ter esse contato com o povo, é uma coisa que te coloca dentro da realidade. Principalmente, por eu ter um tipo de vida totalmente diferente, né? Vivi muito tempo fora, mas cresci no interior. Sempre tive proximidade com os filhos dos trabalhadores da fazenda dos meus pais. É uma simplicidade que me lembra uma coisa boa da minha vida. Sempre achei que por ter a posição que tenho, tinha que fazer algo para ajudar as pessoas. Uma troca."

    Depois de quatro eleições, ela resolveu dar um tempo no projeto de "fazer diferença na política". Na contabilidade eleitoral, afirma ter sido vítima também de um fator social. "No final das contas, meu público dos Jardins, por exemplo, geralmente viaja no final de semana da eleição. Perco muitos votos", lamenta. E no outro extremo da pirâmide? "Faço uma campanha de base, junto ao povo. Ajudo muitos projetos sociais, mas eles não são muito fiéis na hora de votar. Fica complicado."

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    por Eliane Trindade

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    É editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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