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    Rede Social - Eliane Trindade

    Um negócio à prova de tragédias

    11/07/2015 02h00

    Gonzalo Muñoz está à frente de um negócio de sucesso que sobreviveu a duas tragédias até chegar a um faturamento anual de US$ 5 milhões e se expandir para Brasil, Argentina e Colômbia.

    Ao lado de dois sócios, ele fundou a TriCiclos há seis anos no Chile, sua terra natal. O contrato social da empresa que propõe levar inteligência à destinação de resíduos e evitar produção de lixo foi firmado em 17 de maio, Dia Mundial da Reciclagem.

    "Uma das muitas coincidências nessa história", diz Muñoz, sobre uma trajetória marcada pelas mortes de um sócio e de um amigo que os uniu em torno da ideia de criar um negócio de forte impacto social.

    Em janeiro de 2012, a TriCiclos se tornaria a primeira empresa "B" da América Latina. Uma certificação de negócios que utilizam seu poder de mercado para resolver problemas socioambientais.

    Dois anos depois, 46% da empresa foi adquirida pelo fundo MOV capitaneado por Guilherme Leal, um dos donos da Natura.

    NEGÓCIO SUSTENTÁVEL

    "Nossa empresa nasceu com um triplo compromisso: ter resultados sociais, ambientais e financeiros", explica Muñoz. Ele e os sócios analisaram mais de 20 modelos de negócios sociais até se decidirem pelo de de reciclagem.

    "A certeza era de que a nossa empresa não podia criar rentabilidade sem levar em consideração externalidades públicas, como a poluição, e aspectos sociais, como salário injusto e insalubridade."

    A primeira ideia inovadora era vender soluções para evitar resíduos. "Na nossa concepção, o lixo é um erro de design, de concepção. Erros oriundos de decisões empresariais, técnicas."

    Muñoz relata o tratamento de choque imposto a um potencial cliente. "Levamos um CEO até o aterro sanitário: 'Olha onde está sua marca'."

    Era uma forma de mostrar que o produto não desaparece quando é vendido no supermercado. Foi assim que ganharam clientes importantes, como a gigante Walmart e a Sodimac, rede chilena de homecenters que acaba de chegar ao Brasil.

    EM MEIO AO LUTO

    O negócio de sucesso nasceu em um momento de luto, quando Muñoz pranteava a morte de um colega de faculdade, Nicolas Boetsch, um potencial sócio.

    O amigo foi atropelado por uma lancha quando brincava com a filha em um lago no sul do Chile. "Uma semana após o funeral, senti um desejo enorme de falar com ele. Fiz um texto longo com muito sentimento endereçado ao querido Nico. Ao final, num impulso, mandei para o e-mail dele", relata Muñoz.

    Para seu espanto, recebeu quase no mesmo instante uma mensagem vinda da caixa postal eletrônica do amigo morto. "A mulher do Nico, mexendo no computador dele, encontrou uma planilha de um projeto social."

    A viúva resolveu compartilhar o arquivo com seis amigos do marido. No texto do e-mail póstumo escreveu. "Se isso faz sentido para algum de vocês, vamos nos encontrar na semana seguinte."

    Dois atenderam ao chamado. Muñoz e Joaquin Arnolds, que um ano depois fundariam a TriCiclos. "Olhamos o projeto desenhado pelo Nico e vimos que não fazia sentido tocá-lo, mas concluímos que tudo aquilo tinha um objetivo. Foi a forma de ele nos unir."

    SEM ALMA

    Ambos se sentiam infelizes com o crachá de executivos de empresas tradicionais. "Estávamos na mesma página. Éramos CEOs bem-sucedidos, mas sentíamos um vazio enorme. Saíamos de casa pela manhã com o sentimento de ter que deixar a alma em casa. A lógica de mercado é sempre cortar custos."

    Choraram juntos a perda do amigo comum e decidiram que iam desenhar um novo negócio. "Fui um empreendedor social fracassado, mesmo sendo o CEO das companhias. Levava ao conselho ideias para obter impacto socioambiental e sempre ouvia de volta: qual é o retorno?"

    As angústias profissionais de Muñoz vinham desde 2005, quando sua caçula, Rosário, então com três anos, foi diagnosticada com leucemia. "Compreendi a fragilidade da vida. Vi minha filha quase morta, mas por um milagre da ciência e da fé, ela se recuperou."

    O foco no tratamento da garotinha, hoje com 13 anos e curada, o fez perceber o impacto da doença na vida das outras duas filhas, Magdalena, 17, Catalina, 16. As inquietações renderam o livro "A Pequena Trapezista".

    PERDAS E GANHOS

    Recém-chegado a São Paulo para assumir o comando da TriCiclos a partir do Brasil, o executivo faz um balanço das perdas e ganhos ao longo de um processo.

    A vitória contra o câncer é um capítulo feliz em uma trajetória que seria testada ainda com mais uma baixa.

    Justamente de Arnolds, seu sócio de primeira hora, que morreu em um acidente aéreo em 2011, a caminho da inauguração de um Ponto Limpo, as estações de tratamento de resíduos marca registrada da empresa.

    A TriCiclos participava do processo de reconstrução da ilha Juan Fernandez após o terremoto de 2010 no Chile, com o propósito de transformá-la em um lugar de lixo zero. O avião que levava Arnolds e autoridades caiu, matando 22 pessoas a bordo.

    Ao inaugurar o primeiro Ponto Limpo no Brasil, na Sodimac de Tamboré, na Grande São Paulo, no início de junho, Muñoz vestia uma camisa vermelha que pertencia ao sócio e antes foi de Nico.

    A peça virou um talismã. Foi com ela que recebeu os prêmio de inovação e de Empreendedor Social do Ano no Chile, em 2013.

    Conquistas que fazem dele hoje um executivo realizado à frente do negócio sonhado por ele e Arnolds no dia em que lamentaram a morte de Nico.

    "Adoro ser empreendedor social e estar à frente de uma empresa que se move com nossos valores e com a certeza de que estamos ajudando a melhorar o mundo."

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    por Eliane Trindade

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    É editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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