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    Rede Social - Eliane Trindade

    Apesar de: um Brasil que traz esperança

    30/12/2015 02h00

    Enquanto o pessimismo enchia a minha timeline do Facebook e golpistas de plantão insistiam em convites para encontros contra o "mar de lama" da política nacional no WhatsApp, eu embarcava rumo a um Brasil que suscita esperança.

    Apesar da corrupção, apesar do imobilismo de Dilma Rousseff, apesar de uma oposição que quer retomar o poder no tapetão, apesar de um presidente da Câmara dos Deputados dando as cartas no Congresso Nacional com suas mãos sujas.

    Trago notícias de um Brasil maior que suas sucessivas crises, após uma série de viagens pelo Nordeste, pelo Centro-Oeste e pelo Sudeste para visitar projetos finalistas do Prêmio Empreendedor Social 2015.

    Ao longo do périplo, eu me deparei com brasileiros mobilizados em torno de questões fundamentais e estruturantes, como educação e fortalecimento de políticas públicas.

    OURO NA EDUCAÇÃO

    No sertão baiano encontrei um garimpeiro que tira R$ 50 por semana na penosa labuta em busca de metais cada vez mais raros.

    Seu Cícero confia que seus nove filhos terão destino melhor.

    Uma certeza alimentada pelo Bolsa Família, que garante a meninada na escola há uma década.

    "Eles vão mais longe", diz o patriarca que viu sua saúde ceifada ao tentar a sorte no garimpo em Gentio do Ouro (BA) desde os 12 anos.

    A mulher trabalha como gari para complementar a renda familiar e permitir confortos como máquina de lavar e TV de plasma na casa impecavelmente limpa e cheia de enfeites.

    As filhas adolescentes, com seus celulares em punho, sonham com mais, após a inclusão pelo consumo.

    A mais nova quer ser médica. "Querer é metade do ter", sintetiza a matriarca, semianalfabeta, emocionada e emocionando a todos na sala.

    Ela incentiva a caçula, que se destaca nos estudos, a ir mais longe na corrida de obstáculos que impediu outras gerações da família a ter acesso ao conhecimento.

    PÁTRIA EDUCADORA

    Na segunda parada na Bahia, visitamos uma escola na periferia de Irecê (BA).

    Ali o entusiamo do diretor e as atividades no contraturno são dignos de uma "pátria educadora", slogan da segunda e conturbada administração Dilma Rousseff.

    O lema que parece só um devaneio de marqueteiros ganha significado na apresentação de marionetes, na biblioteca recheada de livros e de alunos e na animação da garotada à frente de bandas de música.

    São mostras do poder transformador de uma escola em um bairro antes conhecido por "Malvinas".

    A referência à guerra travada por argentinos e ingleses diz respeito a um passado que se refletia em índices alarmantes de violência e de evasão escolar.

    O empenho de gestores, professores e pais começa a dar resultados dentro e fora do ambiente escolar no município baiano.

    Em Irecê, aquele jovem diretor se posta na entrada da escola a cada manhã para receber os alunos das mãos de pais que sabem que ali seu filho vai aprender.

    Afinal, partiu de dentro daqueles muros a lição de como pacificar o bairro, além de ganhos educacionais palpáveis como o avanço no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica): a escola municipal passou de de 2.3 para 4.2 em três ciclos de avaliação.

    A mais de mil quilômetros de distância, em uma outra escola em um povoado rural em Goiás outra diretora conta como venceu o pessimismo para voltar a acreditar em "projetos" para educação.

    Com pós-graduação, ela chegou a um salário de R$ 3.000, o que lhe garante o status de uma das profissionais mais bem remuneradas da região. "Hoje, tenho orgulho da minha profissão."

    UNIVERSIDADE PARA TODOS

    Não menos animador é ver donas de casa, balconistas e empregadas domésticas frequentando um pré-vestibular na Maré, o maior complexo de favelas do Rio de Janeiro.

    Motivados pelo exemplo de 1.300 moradores que já chegaram à universidade pública, os estudantes daquele cursinho provam que é possível romper barreiras impostas pela deficiência na formação do ensino público e entrar em instituições antes "reservadas" à elite.

    GESTÃO PÚBLICA

    Nessas andanças, esbarramos com prefeitos de diferentes partidos e espectros ideológicos fazendo o dever de casa, ao abrir a gestão para a profissionalizacão e para participação popular.

    É o caso de Barro Alto (GO). O município goiano de 10 mil habitantes é um exemplo de que boas práticas de gestão, transparência e o fortalecimento das políticas públicas podem ser realidade.

    Conselhos de saúde e educação em pleno funcionamento e orçamento participativo em vigor garantem que o dinheiro público seja de fato aplicado em escolas, transporte escolar e reabertura de um hospital.

    Um sinal de que o caminho da transformação passa também pela política.

    É o que diz uma ex-babá de Barro Alto que se orgulha de sua contribuição para a melhoria de vida em sua cidade natal. "Se é público, é de todos nós", resume.

    Lições de uma rica viagem por um Brasil embalado pela ação de empreendedores sociais.

    Brasileiros que acreditam no impacto de projetos sociais estruturantes, mas que vivem no fio da navalha da busca constante por financiamento.

    Sonhos e possibilidades que podem estar ameaçados pela crise econômica e pelo ajuste fiscal.

    O risco é de mais uma vez a conta dos desacertos seja paga pela parcela da população brasileira que paga o pato de todos os enganos há mais de 500 anos.

    Enquanto oposição e governo travam uma batalha de vida e morte a favor ou contra o impeachment, o Brasil real precisa superar uma crise econômica, um quadro gravíssimo de saúde pública e as consequências de um desastre ambiental sem precedentes.

    Com uma agenda tão desafiante, ainda estamos às voltas com a tal crise política, uma luta de poder entre partidos e políticos mais preocupados em garantir o seu quinhão do que nos destinos da nação que dizem representar.

    O garimpeiro baiano, a ex-babá goiana e os pré-vestibulandos de uma favela carioca merecem políticos à altura de seus sonhos.

    rede social

    por Eliane Trindade

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    É editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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