• Colunistas

    Saturday, 04-May-2024 18:23:39 -03
    Rede Social - Eliane Trindade

    Aos 53, publicitário de sucesso larga tudo para viver a vida sobre as ondas

    21/06/2016 02h00 - Atualizado às 11h21 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    No início de julho, o publicitário Marcello Serpa desembarca no Havaí para temporada de um ano, parte do sabático que se concedeu ao se desligar da AlmapBBDO em agosto de 2015.

    Antes, passa em Cannes neste sábado, 25, para receber o prêmio Lion of St. Mark, pela sua contribuição para a indústria.

    Despedida em grande estilo de um dos mais premiados nomes da propaganda brasileira que, aos 53 anos, passa a se dedicar à pintura e ao surfe enquanto decide o que "fazer pelo resto da vida".

    A seguir, o depoimento em primeira pessoa de um profissional que após grandes conquistas está saboreando o prazer e a riqueza das "pequenas coisas".

    "Fiz uma coisa radical no dia seguinte em que saí da agência. Cancelei do meu computador todos os bookmarks, sites e contatos que tinham a ver com propaganda.

    Despluguei completamente, mas só desliguei a chave mesmo quando fui para a Havaí no final do ano passar dois meses de férias.

    Escolhemos passar um ano lá por uma razão muito simples. Sou do Rio, sempre surfei. Todo final de semana que posso, vou surfar no Guarujá, onde tenho casa há 13 anos. Faço uma viagem por ano para pegar onda. Fui cinco vezes para Fiji com amigos, fico acampado.

    Há sete anos, fui pela primeira vez para o Havaí. Pegava onda todo dia. Minha mulher se apaixonou pelo lugar. Meus filhos pequenos, uma de 12 e outro de 4, adoram. É um paraíso com uma Miami a 50 km, que é a distância da minha casa até a capital Honolulu.

    Fomos quatro vezes, até que cometi o pecado de construir uma casa pequeninha. Em 2010, com recessão lá e dólar a R$ 2, eu era rico.

    Sou pintor diletante e já encomendei minhas telas no Havaí. Vou preparar um trabalho que se tiver consistência posso até expor. Sou diretor de arte de formação, faz parte do mesmo universo criativo.

    Além de planejar minhas pinturas, tenho ajudado o máximo de ONGs possíveis. Fiz alguns trabalhos pro bono para iniciativas legais nas áreas de direitos humanos e ambiental. Faço um loguinho aqui, uma consultoria ali.

    CEREJA NO SUNDAE

    Estava no Havaí em dezembro, quando abri meu e-mail e tinha uma mensagem sobre o Cannes Lions: 'Você estaria disposto a aceitar um prêmio?' Levei dois dias para assimilar o impacto. Tinha ido surfar pela manhã e acabado de fazer o café para as crianças.

    Esse prêmio é a cerejinha no sundae, quando já tinha comunicado ao mercado que ia sair [da publicidade], uma decisão muito forte, que mexe com suas expectativas.

    São 23 anos de carreira. Tinha agência, sócios. Fui preparando a sucessão. O que pode ser feito para o seu ego e de maneira que não vai dar certo, naquela de 'Não funciona sem você'.

    Ou do jeito correto: treinar gente que trabalha contigo, dando a elas um pacote de instrumentos para continuar. Eles estão indo muito bem.

    Ser premiado é um sinal de reconhecimento de tudo que eu e a Almap fizemos. Um trabalho que tem uma relevância maior do que pensava. Serei o primeiro latino a receber o prêmio.

    O Brasil tem uma cultura publicitária muito forte. Cultura popular e publicidade falam de igual para igual, sem preconceito.

    COMEÇO DO SABÁTICO

    Logo depois de participar do festival, eu entro oficialmente no meu sabático. É diferente de férias prolongadas. Implica uma revisão completa dos seus valores, do que você quer e não quer.

    Não quero ficar preso na armadilha da vaidade, de que tinha uma agência fantástica. O que fiz já fiz. O tesão pelo negócio não era mais tão grande. Nem o prazer nas conquistas.

    Tenho 53 anos, comecei cedo e vou aproveitar para fazer outras coisas enquanto tenho saúde e disposição. É um luxo que conquistei depois de ter trabalhado como chinês de fábrica, virando noite, em um mercado extremamente competitivo.

    Tenho uma segurança financeira que me permite educar meus filhos e ter uma vida confortável. Não vou comprar avião, helicóptero. Vou viver uma vida mais tranquila.

    Decidi abrir um novo ciclo. Para isso, você tem que primeiro fazer um detox. O Havaí vai ser o meu spa, onde vou reavaliar internamente que quero fazer da vida.

    Na minha cabeça tem uma série de fantasias. O importante é fazer algo que me deixe feliz e faça meus olhos brilharem. A publicidade sempre foi isso pra mim. Pintar e pegar onda também são.

    Sou surfista de final de semana. Quando se chega ao Havaí, com ondas fortes e gigantes, temos que ir com calma, pois a natureza nos deixa humilde em três dias.

    INÍCIO DO DETOX

    Ainda estou no início do detox. Até julho do ano que vem vou decidir o que fazer ou não. Sempre quis ter independência de poder ser livre e de tomar decisões, mesmo que custe dinheiro.

    Exerci essa liberdade também na hora de sair. Fiquei muito mais leve, sem a pressão do dia a dia do negócios. Faço análise há 30 anos, o que dá perspectiva e estabilidade emocional.

    Você começa a relativizar tudo. Li 'O Deus das Pequenas Coisas' [livro da indiana Arundhati Roy]. Há uma divindade em pequenos detalhes que não se é mais capaz de saborear.

    Estou vivendo a divindade das pequenas coisas, o exercício de me livrar do gigante e me concentrar na riqueza de almoçar com meu filho, levar ele na escola, ficar desenhando juntos.

    É ir ao cinema às 4h da tarde ver um filme que ninguém quer ver. Ir nadar numa hora que ninguém vai. À noite, ter mais tempo com minha mulher. Enfim, ser dono do meu tempo é a liberdade maior."

    rede social

    por Eliane Trindade

    rede social

    É editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Escreve às terças, a cada duas semanas.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024