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    Rede Social - Eliane Trindade

    'Temos de falar de política', diz mulher de banqueiro, tachada de 'esquerdista'

    05/12/2017 02h00

    Patrícia Villela Marino, 47, foi chamada de revolucionária e esquerdista por extremistas de direita, mesmo tendo estado em várias manifestações convocadas por grupos como MBL (Movimento Brasil Livre).

    Casada com Ricardo Villela Marino –membro do conselho do Itaú-Unibanco e executivo responsável pela expansão do banco na América Latina–, ela acaba de inaugurar o Cívi-co, espaço de trabalho compartilhado para ONGs e start-ups.

    São 250 empreendedores cívico-sociais alojados em um prédio de quatro andares no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

    Misto de coworking, polo de inovação e incubadora, o Cívi-co também é lugar para "falar de política e políticas", como define a idealizadora, que antes abria a própria casa para este tipo de debate.

    À frente da ONG Humanitas 360 e do Instituto PDR, a nora de Milú Villela milita pela reforma no sistema prisional brasileiro e faz visitas periódicas a presídios.

    Alvo de "haters" por sua defesa dos direitos humanos, ela diz que são meninos pedindo "tapinha na bunda e castigo", teme o crescimento da candidatura de Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e espera que a sociedade civil paute a agenda das eleições 2018.

    Leia a seguir, a entrevista na qual ela fala ainda sobre o papel do investimento social privado e do fato de ser vista como "um caixa eletrônico" por empreendedores em busca de apoio financeiro.

    *

    Folha - O que é o Cívi-co?
    Patricia Villela - É um espaço para inovadores, para agregar e congregar empreendedores cívico-sociais. As pessoas precisam sair do virtual e se encontrar para compartilhar dificuldades, sucessos, desafios.

    Estaremos mais próximos, minimizamos custos e formamos uma comunidade. A tecnologia traz eficiência, mas tem o limite do tato, do olhar, do escutar e compartilhar uma refeição.

    A ideia é dar mentorias e também investimento?
    Exato, mas não posso definir o Cívi-Co como uma incubadora. A ideia é criar um ecossistema onde investidores possam ter um portfólio grande de projetos em diferentes estágios. Temos que fazer o capital financeiro trabalhar em benefício do capital cívico.

    Como funciona na prática?
    O Cívi-co nasce da minha atuação para desenvolver empreendedores para olhar problemáticas na América Latina. Um projeto de reciclagem de lixo pode ser porta de entrada para o egresso do sistema prisional se ressocializar e passar a ser um empreendedor.

    Começamos a ver que os mundos se conectam no ser humano e em suas necessidades. O Cívi-co tangibiliza muito a Humanitas. As pessoas dizem: "Vocês lidam com coisas tão difíceis de serem entendidas". Política de drogas, de encarceramento e transparência no governo.

    Qual o perfil dos empreendedores escolhidos?
    São pessoas que trazem boas ideias de transformação, de disrupção, algum tipo de solução ou melhoria para uma problemática da sociedade brasileira. São também cidadãos engajados, que querem, gostam, gritam e conversam sobre política e políticas.

    Que iniciativas estão no polo?
    Já se mudaram para o Cívi-co o Sustainable Brands, o Instituto Tellus, o Cataki e a Feira Preta, além das organizações que criei: o Instituto PDR e a Humanitas 360. Quero que o espaço seja cada vez mais brasileiro e menos paulistano.

    Temos organizações do Recife (PE), como o Porto Social; e de Salvador, como o Instituto de Mídia Étnica, do Paulo Rogério, que criou o Vale do Dendê como centro de adensamento da cultura da economia criativa de Salvador em um único lugar.

    Haverá Cívi-cos em outros Estados?
    Minha ideia é levar um Cívi-co para o Vale do Dendê. Já fui com o Paulo Rogério conversar com o prefeito ACM Neto. Quando autoridades se abrem para este tipo de inovação, a gente voltar a acreditar que o Brasil tem líderes, tem futuro e que este futuro está nas nossas mãos. Depende do que a gente vai fazer na eleição do ano que vem.

    Que pautas são prioritárias na eleição de 2018?
    A sociedade civil tem que vir com esse conteúdo. O empreendedor social é uma voz ativa, de alguém que conhece o campo e a necessidade de mudar ou de fazer uma política pública.

    É o nosso carroceiro nas ruas de São Paulo que entende mais de reciclagem que o legislador em Brasília. Existem invisibilidades na nossa sociedade que gritam.

    Vamos perguntar: O candidato já foi visitar nosso sistema prisional? A gente viveu um pseudo apogeu econômico, que fez com que falássemos só daquilo que era bom falar.

    Como falar de política, em tempo de demonização?
    Precisamos ter educação política, agir politicamente. Como o brasileiro é obrigado a votar, é melhor que exerça o seu direito de uma maneira consciente. Senão outros vão exercer por ele.

    Se a política partidária não nos agrada, temos que mudá-la, mas se nós nos abstivermos da política vamos nos abster também de uma vida em comunidade.

    Os políticos que se odeiam e portanto se nutrem desse ódio crescem na medida que ficam se digladiando. Temos que mostrar que são pessoas desidratadas, sem conteúdo nenhum.

    Como vê a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência?
    Começa a preocupar. No Brasil, temos assuntos que são tabus e nunca foram discutidos, como escravidão, sistema penitenciário e ditadura. Acabou? Viramos a página do livro. Aconteceu com a ditadura, após a redemocratização.

    Qual é a cultura residual que ficou? É a candidatura deste senhor. Temos que tratar dos nossos resíduos. O fato é que o tapete ficou curto pelo excesso de lixo jogado para debaixo dele.

    A ideia de civismo não ficou associada à ditadura?
    Não é porque uma geração inteira ficou marcada por isso que tenhamos de perder o real significado da palavra. Não podemos deixar a ditadura sequestrar o civismo. Esse foi um momento circunstancial do Brasil e que esperamos não volte a acontecer.

    Há espaço para falar de civismo quando brasileiros pedem a volta da ditadura?
    É uma visão bastante problemática. O que só mostra que as reais raízes da ditadura persistem no nosso dia a dia. Queremos continuar deste jeito? Eu não quero. Tenho um filho de 5 anos e quero que ele viva em um país plenamente democrático.

    Meu pai, Floriano Leandrini, foi preso na época da ditadura. Era militante do MDB, foi vereador no ABC, deputado estadual e líder do governo Franco Montoro na Assembleia Legislativa.

    Ele foi preso por quê?
    No contexto da redemocratização. Ele não foi terrorista, da luta armada, nada disso. Era do MDB intelectualizado. Ficou preso por três dias, desaparecido e foi encontrado porque meu avô, que era piloto de avião, trabalhava com os militares e fez um lobby para soltá-lo.

    A história da minha família acabou bem, mas tantas outras, não. Infelizmente, em relação a ditadura, é aquela coisa: "Vamos apagar, passar uma borracha nisso". Na verdade, tínhamos que ter trabalhado melhor os conceitos, os lutos.

    Por que foi chamada de revolucionária e esquerdista nas redes sociais?
    Na época da exposição do MAM [que causou polêmica pela interação de uma criança com o artista nu] soltaram rojões para todo o lado, pelo fato de minha sogra ser a Milú Villela, que é presidente do MAM e acionista do banco.

    E focaram no vídeo que publicamos no nosso site, quando ofereci um jantar para o pessoal do Sonho Brasileiro de Política, em 2015.

    O que você diz no vídeo?
    Falo que acredito nas micro revoluções, aquelas que acontecem dentro do coração e da cabeça das pessoas e as levam a fazer de si próprias as mudanças que querem no mundo. Tiraram isso do contexto, me chamam de revolucionária, disseram que uso o meu poder financeiro para apoiar revoluções que passam pela mudança da atual política de drogas e do sistema prisional.

    É a turma que rejeita a defesa de direitos humanos?
    Sim. Justamente por não conhecerem estas ideias, acabam fazendo pré-conceitos. São pessoas que desconhecem a história e os contextos.

    Os sites que fizeram os posts são ligados aos extremistas de direita e me colocaram como esquerdista. Achei interessantíssimo. Ora me põem à direita, ora à esquerda.

    Como você se posiciona politicamente?
    Nem direita nem esquerda, porque isso não tem mais significância nenhuma. Eu me posiciono como uma defensora da democracia.

    Por mais que não seja o sistema perfeito, é aquele que nos assegura os valores republicamos, os direitos humanos e o exercício da cidadania.

    Como lidar com "haters"?
    Grande parte destes posts é de jovens. Se formos ver as idades, eles não passaram por metade do que a gente passou [na ditadura]. Como gritam muito, amedrontam. Mas você não pode ficar amedrontada com criança. Meu filho gritou comigo, tapinha na bunda e castigo. Entendeu?

    Muito gente me pergunta: "Você não vai processar estes meninos do MBL?". Eu respondo que não. Eles me deram o "New York Times" sem eu ter que pagar nada. Se quiserem continuar me xingando, vão acabar mostrando o que estamos fazendo. O melhor é não ter ânsia para gritar no mesmo nível.

    É melhor não polarizar?
    Exato. Não é porque a gente saiu às ruas, e eu saí em todas [as manifestação a favor da Lava Jato e pelo impeachment], que tenha a receita do que vai acontecer.

    Se terminarmos o ano que vem com uma eleição triste, isso aqui [O Cívi-co] vai ser lugar de resistência, onde as pessoas vão poder livremente exercer suas ideias. Aí eles ["haters"] vão experimentar a falta de liberdade da qual abusam.

    Qual é o papel do investimento social privado?
    É super importante para fomentar um ecossistema no qual investidos e investidores possam se unir mais e se aproximar como parceiros e não como beneficiados e beneficiadores.

    É fundamental que haja um marco legal, que vai necessitar de coalizão e advocacy para que o investimento social privado possa ter incentivos e se perpetue de modo sustentável.

    Como lida com a insistente procura por apoio financeiro?
    Às vezes, os investidores são vistos como caixa eletrônicos. Como lido pessoalmente e institucionalmente com isso? Por meio de um relacionamento de confiança, de um conhecimento mútuo das realidades - da minha e aquela de quem eu gostaria de investir. Quero conhecer a pessoa, a família, o propósito de vida dela.

    Não há como não fazer um nexo entre a pessoa e o seu projeto. Acho cada vez mais importante que nos coloquemos como parceiros nesta jornada. É investimento social privado, mas não é meu. É nosso. É privado, mas coletivo.

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    Raio X

    Patrícia Rieper Leandrini Villela Marino, 47 anos

    Formação
    Bacharel em Direito pela Universidade Mackenzie, cursou Filantropia e Terceiro Setor na J. F. Kennedy School of Government na Universidade Harvard

    Atuação
    É presidente da Humanitas360, vice-presidente do Instituto PDR, membro do conselho fundador do programa Global Shapers, iniciativa do Fórum Econômico Mundial, e fundadora do Cívi-co, em parceria com o executivo Ricardo Podval

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    por Eliane Trindade

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    É editora do Prêmio Empreendedor Social. Aqui, mostra personagens e fatos dos dois extremos da pirâmide social. Escreve às terças, a cada duas semanas.

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