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    Reinaldo Azevedo

    O tarado da lógica elementar

    13/11/2015 02h00

    Peço licença para não tratar do rame-rame do terceiro mandato de Lula, que já deu um golpe em Dilma. Só falta Henrique Meirelles no lugar de Joaquim Levy. Também me dispensarei de falar de Eduardo Cunha e suas contas na Suíça, a não ser isto: "Fora, Dilma! Fora, Cunha!".

    Vou para outra dimensão, lá nas esferas do mundo sonhático de Marina Silva, a líder da Rede, que já nasce soterrada por ideias velhas, ainda que aqui e ali as pererecas coaxem utopias, os passarinhos piem amanhãs, as florestas assoviem redenções... Podem faltar ideias, mas sobram efeitos sonoros.

    Marina é contra o impeachment de Dilma, cuja permanência no poder lhe é útil. Uma presidente exangue em 2018 leva o PT para as cordas e deixa o eleitorado de esquerda à procura de uma... Silva! Ou será que só os outros podem ser santos do pau oco, mas não ela, que vem do seringal? Ora...

    Nesta quinta, Marina concedeu uma entrevista a Roberto D'Ávila, da Globo News. E se saiu com esta pérola:

    "As lideranças políticas do país têm que ter uma curva de aprendizagem. Se foi possível ao Fernando Henrique manter diálogo com o Antônio Carlos Magalhães, e ao Lula manter diálogo com o Sarney, com o Collor, com o Renan Calheiros, com o Eduardo Cunha, por que não é possível o diálogo entre o Fernando Henrique sociólogo e o Lula operário? Esse é o momento de cada um daqueles que já cumpriram a sua função darem as mãos ao Brasil."

    É tal a bobagem que nem errado isso está. Marina entende a política como a arte dos senhores da guerra. Não se trata do esboço de uma Teoria das Elites, coisa que nos faz falta. Também não é a realização da Cidade de Deus, em que, para lembrar um poeta, Aquiles abraça Heitor, David se entende com Saul, e Cristo dá um beijo no rosto de Judas.

    É só uma análise errada a serviço de seu oportunismo eleitoral. Dá para saber por que FHC buscou o PFL. O que há de virtuoso no Brasil contemporâneo teve origem naquela aliança.

    Mas por que foi mesmo que Lula costurou o apoio de Sarney, de Collor, de Renan e de Cunha? O que há de vicioso na política brasileira decorre dos acordos feitos pelo PT. Mais esse partido contaminou os outros do que o contrário. E as coisas assim se deram porque o petismo tinha claro –e havia razão prática naquilo, embora essencialmente amoral– que a hegemonia pretendida só seria possível com a destruição do PSDB.
    FHC se aliou ao PFL para reformar o país, segundo o que entendeu ser o certo –e nem todos gostaram daquilo. Lula se uniu àqueles outros patriotas para eliminar adversários.

    Marina se relança no mercado das ideias ignorando os brasileiros que foram às ruas –e que devem reocupá-las em breve. Essas pessoas cobram que as divergências se tornem ainda mais nítidas, não o contrário. De resto, não existem o "FHC sociólogo" e o "Lula operário" nem como antítese virtuosa nem como antítese viciosa. Isso é só uma versão rebaixada da luta de classes, que serve à demagogia do ex-operário, mas não à clareza da sociologia.

    NOTA - Se a legalização do aborto se inscreve no lema "Meu corpo, minhas regras", deve-se entender que o feto é parte do corpo da mulher e está sujeito, portanto, apenas a seu arbítrio. Logo, um aborto seria uma amputação. Será imprudente assediar feminazis com a lógica elementar? Seria uma forma de assédio a menores intelectuais? Nego-me a pensá-la como apanágio de machos adultos.

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    reinaldo azevedo

    Jornalista, é colunista da Folha e autor de um blog na RedeTV!. Escreveu, entre outros livros, 'Contra o Consenso' e 'O País dos Petralhas' e 'Máximas de um País Mínimo'.
    Escreve às sextas-feiras.

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