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    Reinaldo José Lopes

    O gene gay contra-ataca

    07/12/2014 01h44

    Ao que parece, o "gene gay" está de volta.

    Coloque quantas aspas virtuais quiser em torno da expressão além do simples par permitido pela boa tipografia, uma vez que, de fato, não se trata de um único gene magicamente capaz de fazer homens se apaixonarem por outros homens. A situação é muito mais complicada e incerta, mas ainda assim intrigante.

    Em vez da expressão "gene gay", o mais correto é falar em regiões do DNA humano cujas fronteiras ainda estão mal definidas, mas que parecem ter correlação com a homossexualidade masculina. Elas foram identificadas num estudo com 409 pares de irmãos gays, cujo genoma foi estudado pela dupla de americanos Michael Bailey e Alan Sanders, da Universidade Northwestern.

    Os resultados saíram recentemente na revista "Psychological Medicine" e dão mais peso a um estudo igualmente polêmico feito há mais de 20 anos. A nova pesquisa sugere, por exemplo, algum tipo de elo entre a homossexualidade e uma região do DNA humano conhecida como Xq28 –a mesma identificada em 1993 pelo geneticista Dean Hamer. Na época, Hamer estudara o genoma de só 38 pares de irmãos gays.

    O apelido dado a essa área do DNA não é uma sopa aleatória de letras e números. A letra X se refere ao cromossomo X –justamente um dos pedaços do material genético que os seres humanos do sexo masculino recebem de suas mães. (Recordando: os cromossomos sexuais dos homens são o X e o Y, este herdado do pai; já as mulheres possuem dois cromossomos X.)

    E é aqui que a coisa se torna de fato interessante, porque o cromossomo legado aos homens pelas mães é um suspeito natural nas tentativas de explicar o enigma que, do ponto de vista biológico, a homossexualidade aparenta ser.

    Enigma porque, claro, relações que aconteçam exclusivamente entre membros do mesmo sexo não produzem descendentes. Ou seja, ao longo do tempo, a homossexualidade "deveria" ser eliminada da população pela seleção natural.

    No entanto, essa é uma característica bastante estável das sociedades humanas –algo entre 1% e 10% da população mundo afora tem atração sexual por gente do mesmo sexo, e não há razões para acreditar que isso tenha sido diferente no passado. E se o componente genético da homossexualidade fosse, na verdade, favorecido pela seleção natural?

    Entra em cena o cromossomo X. Imagine que a atração sexual que homens gays sentem por outros homens seja efeito colateral de um gene ou conjunto de genes que, no DNA de suas mães –ou irmãs, ou tias– na verdade favorece a fertilidade.

    Foi algo nessa linha que o grupo do italiano Andrea Camperio Ciani, da Universidade de Pádua, achou ao estudar a família de uma centena de gays: suas parentes mulheres pareciam ser mais férteis do que as de um grupo de homens heterossexuais.

    Do ponto de vista da seleção natural, é possível que "valha a pena" (inconscientemente, óbvio) deixar de produzir uns descendentes do lado masculino, se a maior fertilidade das mulheres acabar compensando.

    É provável que essa seja apenas parte da resposta ao enigma. Outros estudos sugerem que a genética responde por 50% ou menos dos casos de homossexualidade. De qualquer modo, é igualmente simplificador dizer que, do ponto de vista da reprodução, gays são só um desvio de trajeto. Pode ser justamente o contrário.

    Reinaldo José Lopes

    É jornalista de ciência com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mistérios do Universo". Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.

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