• Colunistas

    Tuesday, 07-May-2024 22:35:15 -03
    Reinaldo José Lopes

    Deu zebra

    01/02/2015 01h45

    Em momentos de perplexidade, um velho amigo costumava desfiar um rosário jocoso de perguntas existenciais: de onde viemos? Para onde vamos? Por que mulheres usam bobes no cabelo? Proponho incluir na lista outra dúvida cruel que assola a humanidade desde a noite dos tempos: por que as zebras têm listras?

    "Para confundir predadores na savana", é possível que você tenha respondido, caso tenha se interessado alguma vez por equídeos listrados. Boa tentativa, mas não é o que indica o estudo mais completo já feito sobre o tema. Ao que parece, o modelito característico foi projetado pela seleção natural para enganar inimigos muito menores, e às vezes até mais perigosos, do que leões: moscas sugadoras de sangue.

    É o que concluiu a equipe capitaneada por Tim Caro, da Universidade da Califórnia em Davis, em artigo na "Nature Communications". Caro e companhia basicamente realizaram uma análise estatística sofisticada de todos os fatores que poderiam estar por trás do visual.

    E, acredite, os fatores já propostos são muitos, sinal de que os zoólogos andavam meio perdidos na tentativa de explicar o padrão de pelagem dos bichos. A lista inclui, óbvio, a hipótese da camuflagem –a ideia é que o padrão de listras claras e escuras mimetizaria a alternância de luz e sombras típicas de áreas florestais relativamente abertas e ensolaradas.

    Há ainda a proposta de que, quando as zebras estão em bando e em movimento, aquela mistura de listras confunde a cabeça de um predador, que não consegue mais ter certeza de onde terminam as ancas de um bicho e começa a cabeça de outro.

    Experimentos mostraram que humanos, por exemplo, têm dificuldade de acertar objetos listrados em movimento que aparecem em uma tela.

    Outra ideia vai na contramão da hipótese anterior: listras nítidas e bonitas seriam, na verdade, sinal de qualidade genética da zebra, uma "propaganda" de sua agilidade e rapidez para o predador, do tipo "sério que você vai tentar capturar um exemplar magnífico feito eu?".

    O fato é que as ideias acima são engenhosas, mas não se encaixam na montanha de dados levantados por Caro. As três espécies de zebra existentes hoje passam a maior parte do tempo em áreas abertas, e não em bosques, o que lança por terra a ideia da camuflagem. Os pobres bichos, aliás, são mais capturados por leões do que seria esperado considerando a população de equinos e de felinos –ou seja, se era para confundir os bichanos, não funciona.

    Por outro lado, a distribuição geográfica das zebras bate direitinho com a das moscas tsé-tsé (transmissoras da célebre "doença do sono" em humanos) e das regiões com excelentes condições para a proliferação de mutucas.

    O mais intrigante é que há evidências experimentais de que listras brancas e pretas confundem os insetos –eles têm mais facilidade de pousar em superfícies de uma cor só, e listras com largura similar às presentes no corpo das zebras são as mais eficazes em atrapalhar as manobras de aproximação das moscas.

    Se parece capricho no visual por causa de umas mosquinhas, considere que, além de transmitir parasitas, moscas que sugam sangue podem afetar para valer a saúde do gado –vacas leiteiras americanas deixam de produzir 200 litros de leite por ano por causa desses insetos, por exemplo. De repente, até que os leões não parecem tão perigosos assim.

    Reinaldo José Lopes

    É jornalista de ciência com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mistérios do Universo". Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024