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    Reinaldo José Lopes

    Ultimato símio

    01/03/2015 01h45

    Os economistas adorariam viver num mundo no qual as pessoas tomassem decisões sobre dinheiro de modo estritamente racional. Se todo consumidor só comprasse os produtos mais baratos e toda empresa só pensasse em obter o maior lucro possível, criar teorias econômicas infalíveis seria moleza.

    Quando estamos falando de seres humanos de carne e osso, porém, as emoções são tão importantes quanto a razão na esfera econômica –e o mesmo parece ser o caso para os chimpanzés.

    É possível que você não esteja achando a minha última afirmação algo propriamente surpreendente. Afinal, nossos parentes mais próximos na Árvore da Vida evolutiva são espertos, sem dúvida, mas não chegam aos pés de um Adam Smith quando o assunto é raciocínio econômico. O irônico aqui, porém, é que durante muito tempo os primatólogos acreditaram que os símios agiam como "maximizadores racionais"–ou seja, sujeitos que querem o mínimo de gastos e o máximo de lucro.

    Essa conclusão era derivada de experimentos, em geral envolvendo divisão de comida, nos quais chimpanzés em cativeiro normalmente davam um jeito de arrebatar o máximo possível de bananas (digamos) para si mesmos, sem se preocupar em deixar uma quantidade justa de frutas para seus semelhantes.

    Frans de Waal, no entanto, nunca comprou essa conversa. O primatólogo holandês da Universidade Emory, em Atlanta (EUA), tem se notabilizado por mostrar que as emoções e a ética dos grandes símios são muito mais complexas do que normalmente supomos, e resolveu colocar a suposta frieza econômica dos bichos à mostra com a ajuda de dois experimentos muito populares entre humanos: o jogo do ultimato e o jogo do ditador.

    Os nomes são sinistros, os jogos em si nem tanto. Em geral, joga-se em dupla. Suponha que você recebe quatro notas de R$ 5. No jogo do ultimato, quem está com o dinheiro na mão tem de fazer uma proposta de divisão dos recursos para a outra pessoa. Se ela topar a divisão, todos ficam com o dinheiro; se recusar, ninguém leva nada.

    Já no jogo do ditador, conforme o nome indica, a pessoa que recebe o dinheiro decide unilateralmente quanto vai dividir com a outra, que tem de aceitar.

    Tais jogos são um indício forte de que muitos seres humanos não são "maximizadores racionais". No jogo do ultimato, considerando que temos R$ 20 no total, mesma a menor oferta possível (um jogador ficando com R$ 15 e o outro só com R$ 5) deveria ser aceita, porque R$ 5 é melhor do que nada.

    Só que, na prática, em geral as pessoas tendem a rachar o valor pela metade e, quando a oferta é baixa, ela quase sempre é rejeitada. Em vez pensar só no lucro de forma racional, as pessoas tendem a levar em conta critérios de justiça ou, no mínimo, evitar a fama de muquirana. Até no jogo do ditador o comum é a pessoa dar alguma coisa para o parceiro.

    E os chimpanzés? Está tudo descrito nas páginas da revista científica "PNAS", na qual Waal e companhia publicaram os resultados do estudo. No experimento, os macacos tinham de trocar fichas por bananas, de tal maneira que a troca poderia beneficiar igualmente ambos os bichos ou apenas um deles. Na versão símia do jogo do ditador, eles de fato deixavam seus parceiros na mão. Mas, no jogo do ultimato, os resultados foram quase idênticos aos vistos entre humanos –na maioria das vezes, a oferta de repartição dos bens (bananas fatiadas, é claro) era igualitária.

    Não consigo deixar de enxergar com otimismo esse tipo de dado. Tem gente que teme pelo futuro da humanidade se passarmos a acreditar que somos mais macacos do que anjos. Para mim está claro que não é tão ruim assim estar do lado símio da equação.

    Reinaldo José Lopes

    É jornalista de ciência com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mistérios do Universo". Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.

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