• Colunistas

    Friday, 03-May-2024 20:36:54 -03
    Reinaldo José Lopes

    Brontosaurus redivivus

    12/04/2015 01h46

    Pessoas normais devem ter passado a semana preocupadas com a inflação galopante, o triângulo amoroso do recém-findado BBB e a operação Lava Jato, mas devo confessar que, do meu ponto de vista, a notícia mais impactante desses dias tem 150 milhões de anos de idade. Afinal, o que são alguns roedores soltos no Congresso perto da ressurreição dos brontossauros, minha gente?

    "Ressurreição" aqui, infelizmente, não significa trazer de volta à vida esses monstros de 20 metros e lá vai fumaça de comprimento, à maneira de Spielberg. Ocorre que, até poucos dias atrás, os paleontólogos acreditavam que esse negócio de brontossauro nunca tinha existido. O nome certo seria Apatosaurus.

    A culpa pela confusão é da infame "Guerra dos Ossos", uma disputa pela primazia paleontológica no Velho Oeste americano que transformou em inimigos mortais a dupla Edward Cope e Othniel Marsh durante as últimas décadas do século 19.

    Brigando para ver quem conseguia descobrir mais dinossauros nas rochas do noroeste dos EUA, os dois protagonizaram cenas que parecem saídas de um episódio de "Corrida Maluca", incluindo espionagem e a prática de dinamitar jazidas de fósseis para que o concorrente não metesse o bedelho na escavação alheia.

    Não me pergunte quem era o Dick Vigarista e quem era a Penélope Charmosa nessa história, mas o fato é que os dois trabalharam: juntos (ou melhor, separados), eles descreveram cerca de 150 espécies de dinossauros. O problema é que a pressa é amiga da porquice, de modo que a grande maioria dessas espécies não é considerada válida hoje.

    O brontossauro –aliás, Brontosaurus excelsus, segundo Marsh, que o descreveu em 1879– seria um desses casos. Ao reanalisar de forma mais criteriosa os ossos do herbívoro pescoçudo, outros cientistas concluíram, e isso já em 1903, que o bicho era parecido demais com o Apatosaurus (também descoberto pelo velho Marsh, aliás) para merecer nome separado de gênero. E, como Apatosaurus é a designação mais antiga, ela tem precedência, conforme as regras da nomenclatura zoológica. Os brontossauros só não foram esquecidos de vez porque uma exposição monumental de fósseis de dinos, realizada em Nova York em 1905, acabou usando o nome e o popularizou. (E também, suspeito eu, porque "brontossauro" soa muito melhor do que "apatossauro".)

    No entanto, num artigo científico quase tão monumental quanto o próprio bicho (quase 300 páginas), um trio liderado por Emanuel Tschopp, da Universidade Nova de Lisboa, resolveu reanalisar todo o "álbum de família" dos diplodocídeos, o grupo do Apatosaurus.

    Haja paciência: os pesquisadores compararam quase 500 características diferentes do esqueleto das criaturas, em 49 espécies distintas de dinossauros do grupo. O resultado é que os animais conhecidos como brontossauros diferem do Apatosaurus em pelo menos uma dúzia de traços anatômicos diferentes, o que justificaria o nome de gênero distinto.

    Caso encerrado? Resta saber como a comunidade científica reagirá às conclusões, embora a pesquisa já tenha recebido elogios. A essência do conhecimento científico é que ele sempre pode ser reescrito.

    Mas é reconfortante imaginar que, pouco a pouco, estamos conseguindo entender com tantos detalhes a diversidade da vida no passado da Terra. Se resgatarmos um nome sonoro de lambuja, tanto melhor.

    Reinaldo José Lopes

    É jornalista de ciência com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mistérios do Universo". Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024