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    Reinaldo José Lopes

    Dissecar bonobos traz pistas sobre gordurinha extra de humanos

    19/07/2015 01h45

    Sujeito de estômago fraco, nunca deixo de ter calafrios quando me deparo com "A Lição de Anatomia do Dr. Tulp", célebre quadro do holandês Rembrandt (1606-1669).

    Tenho certeza de que você também já viu a cena, parodiada até pela Turma da Mônica (juro!): um grupo de sujeitos sisudos e barbados, vestidos de preto e branco, rodeando um cadáver com a musculatura e os ossos do braço expostos. Imagine agora que, no lugar do defunto humano, os anatomistas do século 17 estão examinando os restos mortais de um bonobo ou chimpanzé-pigmeu. O que veriam de diferente?

    Eu sei que a pergunta parece estapafúrdia, mas é mais ou menos essa a essência do trabalho de Adrienne Zihlman e Debra Bolter, antropólogas da Universidade da Califórnia em Santa Cruz (EUA) e da Universidade do Witwatersrand (África do Sul), respectivamente. Elas não apenas dissecaram os cadáveres de 13 bonobos como pesaram cuidadosamente os diferentes tecidos (pele, músculo, gordura e osso), com o objetivo de entender como a evolução moldou, em paralelo, o organismo deles e o nosso.

    Ainda que, à primeira vista, o método pareça mais coisa de diletante renascentista do que de cientista do século 21, a dupla de pesquisadoras apresenta uma boa justificativa em seu artigo sobre o tema na revista "PNAS". A questão é que, em geral, só ossos se fossilizam (ainda que alguns dinossauros, por exemplo, tenham tido a sorte de deixar para a posteridade sua pele e suas penas). E ossos correspondem a só 15% da massa corporal humana.

    Para tentar estudar os 85% que faltam, quem se interessa pela evolução humana necessariamente precisa lançar mão do método comparativo, analisando os parentes mais próximos da humanidade, entre os quais os bonobos ocupam local de destaque junto com os chimpanzés-comuns. Vale dizer, eles funcionam como modelos (imperfeitos, é verdade, mas úteis) de como teriam sido os ancestrais distantes do homem.

    Enquanto o defunto do Dr. Tulp era o de um criminoso enforcado, os bonobos dissecados pelas antropólogas morreram de morte morrida em cativeiro. As proporções de cada tecido no organismo dos bichos foram comparadas às de várias populações de humanos, de belgas do século 20 a populações de caçadores-coletores, pastores, agricultores e moradores de cidades da África.

    O resultado que mais salta aos olhos? Somos, ao que tudo indica, uma espécie gorducha por natureza. Enquanto as fêmeas de bonobos têm níveis de gordura nos tecidos entre 1% e 8,6% e os machos, menos de 0,01%, nenhuma população humana conhecida tem menos de uns 20% de gordura para as mulheres e 7% para os homens.

    No caso dos músculos, a situação se inverte. Bonobos machos têm pouco mais de metade do corpo em formato muscular; fêmeas chegam a 38%. Mulheres não ficam tão atrás, mas a média dos homens é de 43%.

    Não passamos de fracotes flácidos, portanto? Não exatamente. O estudo aponta que o maior índice de gordurinhas entre nós é crucial para ambos os sexos, seja para aguentar períodos de escassez de comida numa maior variedade de ambientes (coisa que os bonobos são incapazes de fazer), seja para nutrir fetos e bebês que exigem muito mais energia do que um macaquinho. Convém não amaldiçoar o excesso de gostosura, portanto –desde que ele não passe demais dos limites, obviamente.

    Reinaldo José Lopes

    É jornalista de ciência com graduação, mestrado e doutorado pela USP. É autor do blog "Darwin e Deus" e do livro "Os 11 Maiores Mistérios do Universo". Escreve aos domingos, a cada 2 semanas.

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