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    Ricardo Balthazar

    Os desinibidos

    29/05/2016 03h00

    As conversas em que os líderes do PMDB discutem estratégias para conter a Operação Lava Jato, reveladas na semana passada, chocam ao expor a desinibição com que políticos atingidos pelas investigações têm se movimentado.

    Em busca de aproximação com o ministro Teori Zavascki, que conduz os inquéritos da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, o ex-presidente José Sarney lembrou-se de dois amigos que talvez pudessem influenciá-lo, mas em nenhum momento expressou preocupação com os riscos que a operação poderia ter.

    Ao relatar um encontro que a presidente Dilma Rousseff teve com o presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, antes de ser afastada, o senador Renan Calheiros descreveu seu espanto ao notar que o ministro não queria falar da crise política: "O Lewandowski só veio falar de aumento, isso é uma coisa inacreditável", disse Dilma, segundo Renan.

    Poucas semanas antes, de acordo com as gravações divulgadas pelo juiz Sergio Moro em março, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também não hesitara ao mobilizar um ministro e um assessor para tentar conquistar o apoio da ministra Rosa Weber, que examinava um pedido para barrar as investigações sobre ele.

    Não se sabe até que ponto essas conversas chegaram, mas o resultado é sabido. Nenhum desses políticos conseguiu o que queria. Todas as decisões dos ministros do Supremo foram desfavoráveis a eles.

    Pode parecer um atestado definitivo da independência do tribunal, mas ainda assim é espantoso que políticos experientes como Sarney, Renan e Lula sintam-se tão à vontade para tentar persuadir a mais alta corte do país a agir de acordo com seus interesses.

    Parte do problema está no próprio STF. Alguns ministros gostam de expressar opiniões fora dos autos, como Gilmar Mendes. Isso anima os políticos que veem os ministros como suscetíveis à persuasão de amigos. Decisões individuais selam o destino da maioria dos processos que o Supremo recebe. Qualquer ministro pode interromper a discussão de um caso pedindo vistas e ignorando os prazos estabelecidos para devolução do processo.

    Ao comentar as conversas dos líderes do PMDB na semana passada, Lewandowski disse que os ministros têm o dever de ouvir todos os que procuram o STF e que isso em nada afeta sua imparcialidade. Pode ser, mas há uma maneira simples de afastar do tribunal os visitantes indesejados.

    Bastaria tornar obrigatória a divulgação diária das agendas com os compromissos dos ministros, indicando quem eles recebem e os assuntos tratados. Não há regras sobre isso hoje, e cada ministro faz como acha melhor. Desde o início deste mês, somente seis dos 11 ministros divulgaram seus compromissos, e só três o fizeram com regularidade.

    Ricardo Balthazar

    É repórter especial. Foi editor de 'Mercado' e de 'Poder'.

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