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    Ricardo Melo

    Deixem Neymar jogar em paz

    21/04/2014 03h25

    "Conheci" Neymar meio que por acaso. Trabalhava numa emissora na qual ele iria participar de um programa de entrevistas. Meu cargo na época permitia certas facilidades, como entrar no camarim onde o jogador esperava o instante da gravação. Isto foi há dois anos.

    Já naqueles tempos o rapaz era celebridade nacional. Chegou de helicóptero, escoltado, como sempre, por seguranças e seu inseparável pai. Sem ser um fanático por futebol, daqueles que vão ao estádio, disputam ingresso a tapa, viajam horas e horas para ver o time jogar uma partida pela série C ou D –sem ser um desses, uma oportunidade de encontrar Neymar não era algo a desperdiçar. Afinal, o cara era notícia, e eu, jornalista.

    E o que vi? Um jovem acabrunhado, tímido, quase aéreo. Mal respondia aos cumprimentos, sem no entanto deixar de ser solícito com a tietagem que fazia fila para conseguir um autógrafo numa camiseta, boné ou que objeto fosse. Parecia assustado com o assédio. No conjunto da obra, deixou boa impressão. Fato confirmado ao reconhecer o filho gerado precocemente –bem diferente do que fizeram e fazem tantas outras celebridades na planície e no planalto.

    Tento imaginar o que passa pela cabeça daquele garoto num momento como agora. De uma hora para outra, o mundo que estava a seus pés parece virar de cabeça para baixo e desabar sobre ele. Até outro dia, era craque incontestável; hoje, somam-se dúvidas sobre seu futuro, suas condições físicas, sua capacidade de enfrentar a tal competitividade do futebol europeu, sua performance na Copa.

    Até a cueca de Neymar virou alvo de adversários. Pelas regras da Fifa, ou da Uefa, tanto faz, o cara está fazendo propaganda irregular. Num estádio! Como se fosse um absurdo alguém ganhar dinheiro honestamente enquanto pode –principalmente quando não se sabe por quanto tempo poderá. (Se eu fosse ele, usaria a cueca em cima do calção e pronto.) Ainda mais em se tratando de futebol.

    Há muito, mas muito tempo mesmo, jogar bola deixou de ser um esporte pura e simplesmente para se transformar num negócio que rende bilhões a um grupo seleto de magnatas e alguns poucos atletas premiados. A quantidade de interesses envolvidos, o volume de dinheiro empenhado, os dividendos políticos fizeram do futebol uma caricatura daquilo que as crônicas de antigamente descreviam com elegância e leveza.

    Por falta de melhores opções, ainda nos iludimos quando vamos ao estádio ou ligamos a televisão para assistir a um jogo. Preferimos pensar que a coisa está sendo decidida dentro de campo, e apenas lá –ninguém é de ferro.

    O barulho dos escândalos, porém, é ensurdecedor. A CBF, assim como a Fifa, é um balcão de negócios –o futebol é um negócio. Para não perder muito tempo, basta citar a roubalheira no esporte italiano, que revelou um esquema de fabricação de resultados envolvendo clubes famosos, jogadores idem, juízes, casas de apostas. Ou então daquele árbitro aqui do Brasil que admitiu negociar resultados em troca de uns cobres. Isso para falar apenas do que subiu à superfície.

    A sujeira submersa, ninguém duvide, certamente é infinitamente maior.

    Um rapaz como Neymar está preparado para enfrentar esse ambiente? Habilidade e talento o jogador tem de sobra. Mas isto não basta. Acima de tudo, ele se transformou numa máquina de fazer dólares para muita gente. Até que ponto sua liberdade como jogador vai combinar com isso, só o futuro dirá. Torço pelo craque. Deixem-no jogar em paz.

    ricardo melo

    Escreveu até agosto de 2015

    Na Folha, foi editor de "Opinião", da Primeira Página, editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções.

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