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    Ricardo Melo - Ricardo Pereira de Melo

    O bruxo está solto

    26/01/2015 02h00

    Transformado em porta-voz oficioso do governo Dilma, o ministro Joaquim Levy está com tudo e está prosa. Sua mais recente novidade é destruir o seguro-desemprego. Ok, depois surgem os desmentidos habituais, como manda o figurino. Mas o mal já foi feito.

    Diz-se nos corredores do poder que a presidente Dilma repousa no silêncio desde a posse para fazer com que o ônus do ataque aos direitos dos trabalhadores recaia sobre a troica brasileira –Levy, Barbosa e Tombini. Alô, Planalto, temos uma péssima notícia. Conhecendo Dilma, o PT e o ministério saco de gatos montado pela presidente, mesmo o sujeito mais desavisado percebe que nenhuma das medidas anunciadas deixa de contar com o aval presidencial. Algumas como balões de ensaio, outras nem tanto.

    A afonia política da presidente tem seu custo. Pode-se até tentar entender o seu timing: a verdadeira eleição no "presidencialismo de coalizão" vai ocorrer em 1° de fevereiro, com a escolha do presidente da Câmara. Ganhando Eduardo Cunha (do "aliado" PMDB!), a fatura sairá bem mais cara. Nada que o dinheiro público não possa comprar, principalmente em se tratando de quem se trata. Mas a dor de cabeça certamente será maior.

    Problema: os cálculos dos políticos oficiais raramente coincidem com o cronograma do cidadão. Estamos em janeiro, mês de férias para estudantes e para muitos trabalhadores. Normalmente um período de calmaria. Mesmo assim, movimentos como o passe livre conseguem mobilizar milhares de pessoas contra o aumento de tarifas. Greves se espalham, o espectro das demissões nas empresas envolvidas no esquema Lava Jato não para de crescer, e as consequências da falta d'água e de energia apavoram a população de metrópoles inteiras.

    Diante do quadro cuja gravidade salta aos olhos, nada se ouve de positivo do pessoal de Brasília. Ao contrário: as promessas são de um presente de dificuldades, para, quem sabe, um futuro melhor daqui a dois, três anos. Haja paciência.

    Vale a pena? Na semana que passou, a ONG Oxfam divulgou um relatório mostrando que o ganho da fatia 1% mais rica da população do planeta avança sem parar e deve ultrapassar 50% do total em 2016. Ou seja, 1% sozinho vai possuir mais da metade do que os 99% restantes. Boa parte disso é resultado de especulação financeira e de heranças e bens que passam de pai para filhos graças à sobrenomecracia.

    Não é preciso ser nenhum Piketty para concluir: reduzir tamanha desigualdade e espoliação desenfreada são providências básicas. Menos no Brasil. Fala-se muito da carga tributária "excessiva" no país, mas pouco de quem paga a fatura. Quando a lente se aproxima, o assunto revela sua verdadeira dimensão.

    Estudo da professora Lena Lavinas, citado em artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo na revista "Carta Capital" nº 832 evidencia: os que ganham até dois salários mínimos entregam ao governo 53,9% da renda, considerando-se todos os impostos.

    Já os que recebem acima de 30 salários mínimos contribuem com apenas 29% de sua renda. Qual nosso bruxo das finanças, esses últimos certamente terão água em abundância nas piscinas, energia elétrica à farta e escaparão das agruras despejadas sobre o cidadão comum.

    Eis o centro do problema. Sem atacá-lo, nenhum governo estará à altura dos votos que recebeu. As eleições na Grécia que o digam.

    PERGUNTA SEM RESPOSTA

    Por que Andrade Gutierrez e Odebrecht até agora estão a salvo das garras do "justiceiro" Moro –assim como os verdadeiros proprietários das empreiteiras acusadas de corrupção?

    ricardo melo

    Escreveu até agosto de 2015

    Na Folha, foi editor de "Opinião", da Primeira Página, editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções.

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