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    Ricardo Melo - Ricardo Pereira de Melo

    Por que as novelas fracassam

    25/05/2015 02h00

    Crise na dramaturgia. É o tema de momento entre executivos preocupados com o Ibope cadente de novelas em cartaz. Com uma ou outra exceção –como as intermináveis repetições de enredos de outrora–, o fantasma ronda todas as emissoras.

    Arrisco uma explicação, além daquelas que especialistas no assunto reverberam na mídia. A vida real tem sido muito mais impactante para quem procura o exótico, o inusitado, o imprevisível, o absurdo.

    Que roteirista pensaria num enredo em que um cachorro vira celebridade e recebe medalha da mais importante Câmara Municipal do Brasil? Os animais têm seu valor, ninguém pode negar. Mas será que os distintos vereadores não têm algo mais importante a fazer quando milhares de humanos moram debaixo de sacos de lixo, outros tantos tentam se proteger do frio com caixas de papelão e imigrantes usam água de urinóis para tomar banho?

    Têm sim. Discutir o futuro do foie gras. Uma das polêmicas do momento da maior cidade do país é saber se o prefeito de São Paulo vai ou não vetar a venda do produto. Afinal, precisamos salvar os patos de práticas imemoriais. Alguém é a favor de machucar bichinhos? Claro que não. Mas quando um assunto como este transforma-se em tema efervescente, entende-se por que macacos muitas vezes sentem vergonha alheia ao ver no que deu a evolução das espécies.

    Justiça seja feita, não se trata de privilégio paulistano. Em Brasília o script é tanto ou mais criativo. Entre outras extravagâncias, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, insiste em gastar fortunas para construir um anexo estilo Dubai. A alegação: falta espaço. Há parlamentares demais e lugares de menos (não seria o contrário?...). Que tal um shopping center para completar o projeto? Parece mentira, mas é isso que ocupa parte importante do debate parlamentar. Passa ao largo dessa turma que o problema do Congresso Nacional não é de metragem de gabinetes, mas de disposição, coragem e preocupação social para enfrentar os problemas do eleitor que ele diz representar.

    Atravessar a rua renova decepções. Somos informados, com direito à transmissão ao vivo, de que os gastos federais sofrerão um corte daqueles. Investimentos e despesas sociais, calculam os entendidos, serão os mais afetados. Orçamentos, todos sabem, são sempre peças de ficção. Mas vale o simbolismo. É como se o governo estivesse pedindo desculpas ao pessoal da banca por ter mantido a salvo programas que amenizaram os efeitos da ciranda financeira sobre os trabalhadores.

    Ora, o imposto sobre o lucro dos bancos subiu. Sim, cresceu. Detalhe: comparado ao que esse pessoal fatura a cada escalada da taxa de juros –que o Banco Central promete continuar–, a elevação da CSLL nem cócegas faz. No máximo provoca uma troca da safra do vinho no jantar.

    Já uma previsão de encolhimento de tudo o que o Brasil produz representa uma enorme diferença. O ministro do Planejamento anuncia o número como prova de "transparência". A maioria que não toma vinho esperava algum plano ousado para evitar o retrocesso. O Planalto, no entanto, já decidiu que o país vai andar para trás. Jogou a toalha antes de entrar em campo. Haja resfriado.

    ricardo melo

    Escreveu até agosto de 2015

    Na Folha, foi editor de "Opinião", da Primeira Página, editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções.

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