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    Rita Siza

    Competir sem ganhar

    15/03/2013 14h02

    Para evitar que esta coluna perca de vista a dimensão esportiva e se converta numa crónica semanal de casos de polícia, batotas, ilegalidades e afins, resolvi ignorar as notícias de corrupção e que marcaram a semana.

    Por isso, nem uma palavra sobre as investigações lançadas pelo Supremo Tribunal de Justiça brasileiro às alegações de que o presidente do Sport teria pago uma boa maquia para garantir a convocatória do médio Leomar à selecção canarinha.

    E nada sobre os inquéritos da Fifa às acusações de corrupção para a entrega da organização das Copas de 2018 e 2022 à Rússia e ao Qatar, respectivamente. Ou sobre o novo conselho de supervisão lançado pelo Governo da Coreia do Sul em reacção a sucessivos escândalos de manipulação de resultados em várias ligas nacionais - no futebol, voleibol, baseball e basquete.

    Em vez disso, prefiro falar do time do Caerphilly Castle Ladies FC, uma equipa de futebol feminino do País de Gales que fiquei a conhecer graças a uma reportagem da BBC. A razão que levou a estação pública britânica a interessar-se pelo clube foi o seu último resultado num jogo da primeira liga galesa: 43-0. Isso mesmo, quarenta-e-três-a-zero. E as jogadoras do Caerphilly Castle foram as que ficaram a zero.

    É um resultado impressionante e um novo máximo mesmo para um time que esta temporada já se habituou a pesadas goleadas de 36-0 e 28-0. Até agora, com dez partidas completas, a equipa sofreu 219 golos e marcou apenas um.

    "Engolimos o nosso orgulho e pomos uma cara alegre, mas sim, é duro e difícil", admitiu a presidente Julie Boyce. "Se isto fosse sempre assim, ameaçaria seriamente o futuro do clube. Mas o nosso clube é muito mais do que só esta equipa", explicou.

    As razões invocadas pela dirigente do Caerphilly Castle para a manutenção do clube -- incluindo o time perdedor-- são simples de entender mas muitas vezes esquecemos delas: mesmo no esporte competitivo, vencer não tem de ser tudo; há outros valores e objectivos importantes. E para o clube galês, o mais importante é poder dar formação a crianças e jovens que serão as futuras jogadoras de futebol de sucesso no seu campeonato.

    Julie Boyce sabe que essa estratégia dá sempre resultados: as meninas do Caerphilly Castle levantaram a taça da liga nacional em 2010. E como é que passaram do sucesso máximo ao fracasso épico deste ano? Fácil: um clube rival chegou e levou as jogadoras do time principal embora. O golpe foi duro mas o clube decidiu que preferia sofrer durante uma temporada do que desestabilizar o trabalho e estragar os excelentes resultados nas outras camadas em competição.

    "Poderíamos ter promovido as nossas jogadoras mais talentosas da equipa de juniores para o time principal, e seguramente não teríamos resultados tão vergonhosos. Mas a nossa visão é de longo prazo: não vamos apressar a formação das nossas jogadoras só para disfarçar; vamos demorar o tempo que for preciso porque sabemos que dentro de poucos anos estaremos melhor e mais fortes do que nunca", explicou a presidente.

    Competir sem ganhar é um luxo nos tempos que correm, e apostar todas as fichas na formação em detrimento dos resultados semanais é uma autêntica raridade. Por isso gostei tanto desta história.

    rita siza

    Escreveu até dezembro de 2013

    É jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comentou sobre diversos esportes, com particular atenção às Olimpíadas.

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