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    Rita Siza

    Uma manchete para Rui Costa

    19/07/2013 15h07

    A primeira vitória de um ciclista português, Rui Costa da equipa da Movistar, na 16ª etapa (alta montanha) do Tour de France não mereceu nem honras de manchete nem de foto de primeira página em nenhum dos diários esportivos do país.

    À hora que escrevo este texto, não tenho hipótese de saber se este sábado vão corrigir o erro: o ciclista nascido na Póvoa de Varzim há 26 anos acaba de cruzar a meta nos Alpes com uma vantagem próxima de um minuto sobre os seus perseguidores, e de inscrever o seu nome na lista selecta e exclusiva de vencedores de duas etapas numa Volta à França.

    As duas vitórias de Rui Costa foram tiradas a papel químico: em etapas longas, o português integrou uma fuga ao pelotão e soube atacar no momento certo, acelerando na subida, deixando toda a concorrência para trás e pedalando como um foguete, sozinho, até à meta.

    São duas conquistas superiores de Rui Costa e dois momentos de glória para o ciclismo em Portugal - que na sua história tinha o nome do mítico Joaquim Agostinho como o único vencedor de duas etapas no mesmo Tour, em 1969.

    As redes sociais encheram-se pela segunda vez de fotos do ciclista português. Nos comentários abundavam os elogios justos e merecidos e também duras críticas à mídia, que alegadamente ignora todos os atletas, todas as competições e todos os resultados que não tenham a ver com o futebol.

    As vitórias de Rui Costa, em época de defeso do futebol, de repente geraram uma onda de indignação nacional com as opções editoriais da imprensa esportiva, que em vez de destacar os resultados do ciclista português na maior prova do ciclismo mundial, continuou a dar prioridade às partidas de uma pré-temporada que ainda não entusiasmou ninguém...

    A discussão não é nova (nem é exclusiva de Portugal). Bem se podem queixar todas as outras modalidades de apenas captarem as atenções do público em momentos de extraordinárias vitórias ou inesperadas e vergonhosas derrotas.

    É verdade que há mais gente a interessar-se pelo futebol do que por outras modalidades, e esse é uma das razões porque a cobertura jornalística está (e continuará a estar) enviesada - mas essa razão não serve para ignorar ou relevar o valor da notícia, e preterir um feito inédito por um acontecimento banal.

    Ninguém imaginaria que um treino do Rui Costa - ou do corredor Carlos Sá, que na passada terça-feira venceu a ultra-maratona Badwater, uma prova de 217 quilómetros no Vale da Morte da Califórnia - decorresse debaixo do olhar dos jornalistas ou fosse detalhadamente relatado, dia após dia, em reportagens de página inteira, como acontece com os futebolistas dos principais clubes portugueses.

    Mas ninguém esperava que os seus momentos de glória, que animaram um país desesperado por boas notícias, fossem eclipsados das primeiras páginas, relegados para o rodapé que francamente reduzia a sua importância e significado.

    Com sorte, este deslize deixará os jornalistas e os editores mais espertos, e tornará a audiência da imprensa esportiva mais exigente e criteriosa com as ofertas disponíveis no menu noticioso.

    rita siza

    Escreveu até dezembro de 2013

    É jornalista do diário português "Público", onde acompanha temas de política internacional, com ênfase na América Latina. Do futebol ao pebolim, comentou sobre diversos esportes, com particular atenção às Olimpíadas.

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