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    Roberto Dias

    Descolamento da realidade é nova etapa da aventura política catalã

    04/11/2017 02h00

    Primeiro foi a irresponsabilidade política. O governo de Carles Puigdemont esticou a corda da independência catalã sem ter: 1) apoio majoritário da população local; 2) suporte da elite econômica; 3) amparo da lei; 4) respaldo internacional; 5) força militar para levar a cabo sua vontade; 6) coragem de declarar a separação com todas as letras e em alto e bom som.

    O movimento acabou explicitando as fragilidades do dito independentismo, inclusive no grupo político que empunhava a bandeira —no auge da tensão, nem todos mostraram tanta vontade assim de picotar o mapa espanhol.

    Sobreveio o descolamento da realidade. Derrotado e destituído do comando da Catalunha, cada vez mais fragilizado em seus argumentos, o bloco independentista parece ter nos últimos dias se descolado da realidade.

    À ordem de prisão de integrantes do ex-governo seguiu-se como gritaria a ideia de que a Europa do século 21 estaria criando presos políticos. É daquelas frases que brilham nas redes sociais, mas que não sobrevivem à lei.

    Os crimes dos quais o Ministério Público acusa os políticos (desobediência e sedição, entre outros) estão muito longe de ser coisa pequena; as penas vão a 30 anos.

    Como a história se desenrolou publicamente, não é difícil demonstrar que eles trocaram o terreno da oposição política pelo da ilegalidade.

    O distanciamento da realidade ganhou tons de pastelão na boca de Puigdemont. Refugiado em Bruxelas, declarou: "Como presidente legítimo da Catalunha, exijo a liberação dos conselheiros".

    A frase espanta duas vezes. Primeiro por sustentar que ainda está no cargo, evidente ficção (muito diferente seria se defendesse que o governo atual é ilegítimo). Segundo porque, ainda que estivesse no comando, não caberia a ele, como cabeça do Executivo, "exigir" a libertação de um preso por ordem judicial.

    Há aqui um incrível caso de guerra de imagem. O lado catalão tinha larga vantagem, advinda da opressão madrilenha no passado e do soft power de Barcelona, mas esse capital foi se esvaziando trapalhada após trapalhada.

    A tradução disso na vida real deu mais um sinal nesta sexta (3): o aumento da desocupação catalã em outubro foi o dobro da espanhola.

    Houvesse no Código Penal de lá a tipificação do crime de aventura política, a Promotoria teria que encorpar sua acusação aos políticos.

    roberto dias

    Jornalista é secretário de Redação da área de Produção da Folha, onde trabalha desde 1998. Escreve às quintas.

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