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    Rodrigo Vizeu - Rodrigo Vizeu

    Doria repete com sinal trocado a velha retórica de Lula

    17/07/2017 02h00

    Nelson Antoine/Folhapress/Folhapress
    João Doria limpa o rosto após pintar passarela
    João Doria limpa o rosto após pintar passarela

    "Minha bandeira não é vermelha, é verde e amarela." Lula é um "sem-vergonha" e "maior cara de pau do Brasil", que "vai ver o Sol nascer quadrado em Curitiba". Dilma é uma "anta". Petistas "não sabem o que é trabalho porque têm como espelho o Lula, o espelho da vagabundagem".

    O leitor talvez ache que se trata de um apanhado do que lê em comentários anônimos na internet. Mas são declarações recentes do prefeito de São Paulo, João Doria.

    O tucano ganha terreno como o mais agressivo em seu partido contra o petismo. Ex-governador e vice-presidente da sigla, Alberto Goldman comparou Doria a um "papagaio falando". Disse que, embora a condenação de Lula parecesse correta, "nenhum dirigente partidário se regozijou com isso", já que haveria "respeito pela história" do petista.

    Muitas podem ser as razões a mover a língua de Doria. Ao discursar contra a corrupção petista, distancia-se de colegas de partido enrolados. Ao mirar um ex-presidente e, por vezes, evocar mais o Brasil que São Paulo, projeta-se nacionalmente.

    Ademais, as diatribes aquecem o coração do eleitorado antipetista, que pode retribuir com votos em 2018. Por fim, não se deve descartar que Doria de fato sinta todo esse ódio e precise externá-lo.

    É algo que pode se aplicar ao cidadão comum, que tem várias razões para se insurgir –com a elegância verbal que lhe convier– diante do petismo e seu histórico de escândalos e crise econômica.

    Doria, porém, governa a maior cidade brasileira e é uma liderança ascendente de um dos principais partidos brasileiros.

    Muita água passará sob a ponte, mas sua eventual candidatura tem evidente potencial competitivo. Não seria nada mau se o prefeito buscasse figurino mais presidencial.

    Uma inspiração pode vir de Emmanuel Macron, cuja vitória alegrou Doria a ponto de ele gravar vídeo na língua do parabenizado.

    O leitor não encontrará registro de ataques virulentos do francês a seus antecessores –e note que lá também há um ex-presidente metido em escândalos, Jacques Chirac.

    Bem diferente do atual chefe de Estado francês, o estilo de João Doria lembra, veja só, o de Lula.

    Após uma Presidência com constantes ataques às "elites", o petista tem dobrado a aposta no "nós contra eles". "Quero saber onde estão os coxinhas depois do Temer governando este país. Cadê as panelas, hein?", afirmou no sábado (15) não um internauta raivoso, mas o ex-presidente da República.

    Ao repetir com sinal trocado a velha retórica do rival, Doria perde a oportunidade de ser de fato uma novidade política. Faz crescer as chances de que, quem quer que ganhe, tenhamos não um estadista, mas um comentarista de internet no Palácio do Planalto.

    rodrigo vizeu

    É editor-assistente de 'Poder'. Ocupou a mesma função em 'Mundo', foi repórter em 'Poder', correspondente em Belo Horizonte e colaborador em Paris, onde concluiu mestrado em ciência política.

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