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    Rogério Gentile

    O primeiro ultrassom

    05/11/2015 02h00

    SÃO PAULO - A coluna abre espaço para Laura Mattos, editora de Semanais da Folha, comentar a campanha #AgoraÉQueSãoElas:

    "Sempre achei inquestionável que a mulher pudesse decidir interromper uma gravidez não desejada.

    Isso até o primeiro ultrassom do Fernando. Era um ponto de luz piscando, o coração do bebê. Ele foi mais do que planejado, mas, se não tivesse sido, a emoção seria menor diante do pisca-pisca que anunciava sua vida? E dos chutes na barriga?

    Na hipótese de ele não me fazer desejá-lo nos nove meses umbilicais, como resistir ao choro do parto, ao colo, à amamentação? A maternidade, em vez de reforçar minhas convicções, veio para acabar com elas. Henrique, meu segundo, trouxe ainda mais certeza de que nada, além do amor pelos filhos, é tão certo na experiência de ser mãe.

    A quebra de paradigmas é tão profunda que me torna incapaz de aderir a manifestações. Também não me habilita a condenar quem o faça.

    É para mim inquestionável, claro, a liberação do aborto para casos de estupro e de risco à vida, já previstos em lei. Mas, para além disso, entrei para a parcela dos indecisos.

    Outro nó que não consigo desatar nessa questão é o papel do pai. Se é tão cruel que um homem diga para uma mulher "tirar o filho", não seria razoável aceitar que tenha o direito de exigir que ela prossiga com a gravidez e lhe entregue a criança assim que nascer? É feminismo defender que a mãe tenha mais direito que o pai sobre o destino do filho de ambos? Sim, o corpo é da mulher, mas são nove meses diante de uma vida.

    Em meio à complexidade de raciocínios e emoções que a maternidade me trouxe, decidi aproveitar o movimento de dar voz às mulheres (apesar de me soar estranha e nada feminista a ideia de pedir espaço aos homens...) para dizer que, sinceramente, não sei se o direito que eu pudesse ter de interromper a vida de meus filhos deveria ser maior do que o deles de me convencer do contrário".

    rogério gentile

    Escreveu até março de 2016

    Foi secretário de Redação da Folha. Entre outras funções, foi editor da coluna "Painel" e do caderno "Cotidiano".

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