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    Ronaldo Lemos

    Peça ajuda aos desconhecidos

    20/01/2015 02h00

    A onda mais recente para novas empresas de internet é apostar nos desconhecidos. Depois de quase uma década buscando formas de capturar laços sociais já existentes (vide a hegemonia do Facebook), a nova fronteira do momento é usar a rede para colocar em contato pessoas que não se conhecem, com fins diversos. Em suma, os "desconhecidos" se tornaram a bola da vez.

    Isso pode ser visto em uma série de iniciativas que estão pipocando pela rede. Por exemplo, o recém-lançado aplicativo chamado Kindly.

    A ideia é pedir ajuda a estranhos com relação a problemas e dilemas pessoais. Está com uma questão não resolvida? Coloque no aplicativo e logo um desconhecido aparece para conversar com você sobre ela. As conversas são limitadas ao máximo de 15 minutos. Ao final, o interlocutor desconhecido é avaliado por meio de um "like" ou "dislike".

    E, é claro, se a conversa for boa, dá para mandar um pedido de amizade e continuar o papo. Como disse um dos fundadores da empresa, Jordan Walker, ao "Los Angeles Times": "Não sei se esse aplicativo daria certo cinco anos atrás, porque todas as conversas seriam sobre sexo. Só que agora o Tinder existe. E as pessoas já vão lá para isso".

    Outra iniciativa é o 20daystranger.com ("Estranho por 20 dias"). O aplicativo foi criado pelo Centro Dalai Lama de Ética e Valores Transformadores do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Quem entra nele é conectado por 20 dias a um estranho. O objetivo é compartilhar momentos da vida durante esse período, vivenciando mutuamente as experiências de mundo. A identidade do desconhecido não é revelada. Abre-se assim uma janela para entender a experiência do "outro". Algo que pode ser valioso em um mundo onde tolerância vem se tornando um bem escasso.

    O conceito de "desconhecido" está tão na moda que até a campanha de marketing mais recente do Airbnb -o bilionário site que permite alugar a própria casa para estranhos- é baseada nele. O site está distribuindo doações aleatórias de US$ 10 para 100 mil pessoas, incentivando que elas pratiquem "um ato de generosidade com um desconhecido". O slogan da campanha é justamente "One Less Stranger" ("Um estranho a menos").

    A questão é que as ondas vêm e vão rapidamente. Até pouco tempo, a coqueluche eram sites e aplicativos que promovem anonimato (como Secret, Anonyfish e Whisper). Mal começaram a decolar, e a onda passou. Com isso, investidores (que adoram uma onda) começam a se arrepender da aposta.

    O fato é que todas essas iniciativas buscam o Santo Graal da web, o efeito rede: atingir massa crítica de usuários suficiente para que o serviço se torne indispensável (e elimine boa parte da concorrência). Foi o que aconteceu com Facebook e WhatsApp, e começa agora a ocorrer com pouquíssimos aplicativos de táxi. Em todo caso, é algo dificílimo de alcançar. Especialmente porque a maioria dos "desconhecidos" pode nem estar interessada.

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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