• Colunistas

    Wednesday, 08-May-2024 06:19:21 -03
    Ronaldo Lemos

    De volta para o passado

    17/02/2015 02h00

    Muita gente se queixa do suposto "esgotamento" cultural do presente. Uma tese famosa sobre isso está no livro "Retromania" do crítico inglês Simon Reynolds. Ele defende que a cultura musical contemporânea é mero pastiche do passado. Nada de novo se produz. Tudo é repetição do que já passou.

    Claro que minha visão é o oposto disso. O mundo, ao meu ver, não para de acelerar. Nunca se fez tanta coisa interessante como hoje. Todos os dias espero ter o máximo de tempo possível para conseguir aproveitar a ebulição contemporânea cada vez mais.

    Nesse sentido, até esse passadismo traz fenômenos interessantes. Por exemplo, dá para dizer que hoje existe até um novo gênero de lançamento musical. Por falta de termo melhor, dá para descrevê-lo como "a volta dos que não foram". Há todo um conjunto de lançamentos musicais de artistas que só fizeram um ou dois álbuns há mais de 30 ou 40 anos, não fizeram sucesso algum em suas épocas, mas agora voltam como ídolos cult.

    Provavelmente esse novo "gênero" tenha se cristalizado com o documentário "À Procura de Sugar Man", vencedor do Oscar em 2013. Ele conta a história de um desses heróis musicais que nunca aconteceram para valer (no caso o músico Jesus Sixto Rodriguez), que retornou mais de quarenta anos depois (no caso dele, por causa do próprio documentário).

    Se o caso de Rodriguez ficou globalmente conhecido, é bom saber que ele não está sozinho. Existe um verdadeiro garimpo planetário em curso, com gente à procura de discografias esquecidas que hoje poderiam ganhar um status cult.

    A lista é longa. Por exemplo, a cantora norte-americana Linda Perhacs. Seu belo álbum "Parallelograms" foi lançado em 1970, cheio de baladas folk prafrentex. Depois disso, nada mais. Em 2014, 44 anos depois, ela soltou um novo disco. Trajetória parecida com o músico Bill Fay (o meu predileto, aliás). Seus dois únicos discos são de 1970 e 1971. Depois disso, nada. Em 2012 saiu um disco novo dele, que agora tem relativo status cult.

    Outro caso curioso é do australiano Howard Eynon. Seu único disco é de 1974. Depois disso, "niente". Está agora sendo relançado em escala comercial por uma nova gravadora e atraindo novos fãs. Ou ainda, o misterioso Lewis (assim, sem nenhum outro nome). O canadense lançou um único disco em 1983 chamado "L´Amour". Nem sua identidade é conhecida (especula-se seja um corretor de ações que resolveu se arriscar na música). Lewis estava pronto para nunca sair do esquecimento, até ser relançado no ano passado por uma gravadora moderninha (todas as cópias físicas do disco em vinil já se esgotaram, aliás).

    A lista de outros artistas com 30 anos de hiato é longa. Inclui da cantora folk Vashti Bunyan ao duo Silver Apples, dos anos 1960. Para quem está lendo o jornal em pleno Carnaval, ir atrás desses sons assombrados é bom passatempo.

    *

    JÁ ERA
    O Brasil não ter uma lei protegendo os dados pessoais

    JÁ É
    Consulta pública sobre a lei de dados pessoais aberta até o dia 28

    JÁ VEM
    Prorrogação do prazo para as contribuições (pelo site dadospessoais.mj.gov.br)

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024