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    Ronaldo Lemos

    Como nasce uma notícia falsa

    06/07/2015 02h03

    O Facebook virou arco-íris. Para celebrar a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o casamento gay, milhões de pessoas publicaram fotos multicoloridas em seus perfis usando uma ferramenta criada pela própria rede social.

    A festa logo deu lugar a preocupação. Seria tudo um experimento? Estaria a rede social avaliando quem nos influencia e monitorando nossas preferências políticas? A dúvida virou certeza quando inúmeros sites começaram a citar um professor do MIT, César Hidalgo, como fonte que comprovava que tudo era um experimento da empresa de proporções globais.

    Só um problema: César Hidalgo –a fonte que supostamente confirmava tudo– nunca foi questionado sobre o assunto.

    A culpa, segundo o próprio César, foi do jornal inglês "Daily Mail", tabloide especializado em notícias de celebridade e temas apelativos. O veículo copiou uma análise feita pela revista "The Atlantic", que citava uma brincadeira de César: "Isso é provavelmente um experimento do Facebook".

    O "Daily Mail" desconsiderou que o texto de Hidalgo dizia claramente que a afirmação era uma piada e afirmou que um renomado especialista do MIT havia confirmado que tudo era mesmo um experimento do Facebook. Ninguém o procurou para checar a afirmação (detalhe: a reportagem usava a foto de César como destaque da notícia).

    Só que eles mexeram com a pessoa errada. César é especialista em ciência da informação e passou a monitorar a viralização da notícia falsa. Constatou que mais de 20 mil páginas de texto foram publicadas na internet reproduzindo o "Daily Mail", espalhando-se por vários países (inclusive o Brasil). E, é claro, tudo foi também intensamente compartilhado no próprio Facebook.

    Para piorar, quando César publicou um texto relatando a farsa, o jornal inglês fez o impensável. Editou e mudou a própria matéria que havia publicado dias atrás para tentar mitigar a confusão.

    Ele expressa nas suas próprias palavras uma lição aprendida. "O triste de tudo isso é ver que, no ambiente atual, a maioria das mídias on-line não se importa em construir qualquer relação de confiança ou reputação com a audiência. Tudo com que se importam é colher cliques de qualquer pessoa, explorando seus medos. Algumas estão dispostas até mesmo a mentir para conseguir mais cliques. Apelar para o medo é um dos truques mais velhos do mau jornalismo."

    O caso lembra a necessidade de se ampliar o debate sobre teoria da mídia ("media literacy"). A começar por sempre fazer seis perguntas sobre qualquer informação: Quem criou a mensagem? Quais técnicas foram usadas para atrair minha atenção? Que estilos de vida ou valores são apresentados ou omitidos na mensagem? Por que essa notícia foi compartilhada? Como outras pessoas podem entender essa informação de modo diferente de mim?

    Se quiser, você pode começar a fazer essas perguntas sobre o meu próprio artigo.

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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