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    Ronaldo Lemos

    O Rip van Winkle da internet

    24/08/2015 02h00

    Hossein Derakhshan tem 40 anos e é considerado o "pai" dos blogueiros iranianos. Durante os anos 2000, foi uma das vozes mais importantes do país contra a censura, até ser preso e condenado a 19 anos de prisão em 2008, justamente por causa do que escrevia no blog.

    A boa notícia é que ele recebeu um perdão e foi libertado no fim de 2014. Durante os seis anos em que esteve preso –sem contato com a internet–, Hossein tornou-se uma espécie de Rip Van Winkle da rede. Tal como o personagem que passa 20 anos dormindo para encontrar sua aldeia completamente transformada, Hossein encontrou uma internet distinta daquela de quando foi preso. E na sua visão, muito pior.

    Em um belo artigo chamado "The Web We Have to Save" (a web que temos de salvar), ele conta seu choque ao descobrir que todo o universo dos blogs praticamente morreu. Foram sorvidos pelas redes sociais. Tudo o que ele tentou postar em seu antigo blog não tinha mais impacto nenhum.

    A internet, que antes se assemelhava a uma cidade aberta, em que cada cidadão tinha sua própria voz e podia falar e flanar entre iguais, tornou-se um conjunto de grandes condomínios fechados. Cada um deles com regras próprias, que determinam como a informação circula.

    Esse processo continua. Na época dos blogs, buscadores como o Technorati (ou o BlogBlogs no Brasil) permitiam analisar em detalhes a repercussão de um determinado assunto na rede. Isso porque todo blog era aberto e acessível para qualquer pessoa.

    No entanto, hoje boa parte da informação na rede é publicada "intramuros". Não aparece em buscadores e é preciso fazer "login" para acessá-la.

    Está em risco, assim, a capacidade de se analisar de forma agregada o que é dito na rede. Uma das poucas fontes de dados abertos que subsistem é o Twitter. Ele ainda permite a qualquer pessoa analisar o fluxo de tudo o que é postado. Com isso, jornalistas ou pesquisadores podem verificar em tempo real o impacto de temas de interesse público na rede, como, por exemplo, a repercussão das manifestações.

    Mas tudo pode mudar. Como o Twitter está em crise, está tendo de se reinventar em face da concorrência. Uma possível mudança é que a empresa decida fechar seus dados ou cobrar pelo acesso a eles. Abandonaria, assim, a estrutura de "cidade" e se tornaria também "condomínio".

    A consequência é que um grande número de empresas que hoje dependem desses dados para existir podem ter seu momento de Hossein Deraksham: do dia para a noite, o ambiente em que trabalham e do qual dependem pode deixar de existir.

    Acerta, assim, quem acha que a internet está se aproximando da estrutura do Panóptico de Jeremy Bentham. Sai de cena a lógica da cidade aberta –em que todos podem ver todos– e prospera a lógica da prisão, onde apenas alguns veem todos. Tal como no caso dos blogs iranianos, tudo pode mudar. E em bem menos do que seis anos.

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    JÁ ERA
    Segurança da informação

    JÁ É
    Hackear sites governamentais

    JÁ VEM
    Hackear sites de relacionamento

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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