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    Ronaldo Lemos

    Acabar com o furto de identidade

    26/10/2015 03h05

    Acaba de ser lançado o novo livro do escritor João Paulo Cuenca, uma das vozes mais interessantes da literatura contemporânea. Chamado "Descobri que Estava Morto", descreve a situação surreal trazida por um furto de identidade. No caso, a do próprio autor. Cuenca teve de fato sua identidade furtada e usada para emitir uma certidão de óbito para um cadáver que, obviamente, não era o dele. Em outras palavras, descobriu um dia que estava legalmente morto.

    Esse tipo de furto é um problema não só para escritores cariocas, mas uma questão generalizada na internet. Há uma epidemia global de pessoas que têm suas identidades furtadas on-line e usadas em toda sorte de fraudes. A questão é tão séria que há uma onda de empresas alegando proteger dados pessoais na rede. Por exemplo, a norte-americana "AllClear ID". Em troca de um valor mensal, monitora a identidade do usuário e verifica se não foi usada para fins não autorizados.

    O problema é que empresas como essa são mero paliativo. Não atacam as origens do problema e se tornam elas mesmas pontos de ataque. O sonho qualquer criminoso é invadir o sistema de uma companhia que é um oásis de informações sensíveis sobre seus clientes.

    Para atacar o problema de fato é preciso outra estratégia: adotar criptografia em todas as comunicações na internet. A criptografia "embaralha" as comunicações na rede, de ponta a ponta. Conteúdos enviados criptografados só podem ser lidos pelo emissor e pelo destinatário. Quem tentar ler a informação no caminho encontra apenas números e letras indecifráveis.

    A criptografia generalizada resolve ao menos três grandes problemas da internet: o furto de identidades, os vazamentos de dados e a vigilância generalizada da era pós-Snowden. Entidades como a EFF (Electronic Frontier Foundation), pioneira na discussão sobre direitos na internet, vêm lançando campanhas que dizem: Encrypt Everything! (criptografe tudo!).

    Infelizmente, no Brasil tem havido ataques à necessidade de se criptografar tudo. Na CPI dos Crimes Cibernéticos houve manifestações pedindo justamente o contrário: que a criptografia seja abolida. Tudo para facilitar a bisbilhotice de comunicações privadas na internet. Ao atacar a criptografia em nome do combate a alguns males, outras mazelas piores surgem de forma generalizada, expondo todos os usuários da rede.

    Nos EUA, país ainda marcado pelo vigilantismo, o presidente Barack Obama declarou recentemente que apoia a criptografia generalizada e sem possibilidade de ser quebrada, até mesmo por autoridades de investigação (ou seja, sem as chamadas "backdoors"). O Brasil precisa seguir os mesmos passos. Precisa proteger e apoiar o uso generalizado da criptografia, sem "backdoors". Essa é a melhor forma de se coibir o furto de identidade, o vigilantismo e o vazamento de dados pessoais na internet. Tenho certeza de que o escritor João Paulo Cuenca irá apoiar e agradecer.

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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