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    Ronaldo Lemos

    WhatsApp e fragilidade da rede

    21/12/2015 02h56

    O Brasil viveu o gosto do que é a internet em países autoritários com o bloqueio do WhatsApp na semana passada. A partir das 0h01 da sexta-feira, e pelas 12 horas seguintes, quem tentou mandar mensagens pelo app ficou só no sinal de reloginho.

    Muita gente pulou para outros aplicativos. Usuários descobriram as VPNs (Virtual Private Networks), usadas com frequência em países como China, Tailândia, Irã ou Arábia Saudita. As VPNs criam um túnel que joga a conexão para outro país, driblando, assim, a censura.

    O mais impressionante é como o bloqueio do WhatsApp expôs a fragilidade da rede brasileira. A ordem partiu de uma juíza estadual de primeira instância de São Bernardo do Campo. Em menos de 24 horas ela tirou do ar por completo um serviço com 100 milhões de usuários no país.

    Quando o ditador Hosni Mubarak decidiu, em ato desesperado, tirar do ar a internet no Egito em meio aos protestos da praça Tahrir, ele teve dificuldades de implementar a medida. Apesar de contar com poderes quase absolutistas, precisou de vários dias e conseguiu bloquear apenas parcialmente a rede. Várias empresas de telecomunicações locais resistiram bravamente.

    O caso do WhatsApp revela que a internet brasileira possui um "kill switch", uma chave mestra que permite desligar qualquer serviço ou aplicativo (ou a rede como um todo) em curto espaço de tempo. Se em menos de 24 horas foi possível eliminar o serviço mais popular do país, é possível tecnicamente eliminar qualquer outra coisa.

    A existência desse "kill switch" é preocupante. O professor da universidade Columbia Tim Wu, inventor do conceito de "neutralidade da rede", escreveu um livro inteiro a esse respeito, chamado justamente "The Master Switch". Ele alerta sobre o perigo da existência de tamanho poder para as democracias.

    Se tecnicamente é possível derrubar qualquer coisa da rede, o que previne contra isso? A lei, as instituições e o setor privado. O Marco Civil da Internet é uma das proteções nesse sentido, quando define que "o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania". Ele não admite que aplicativos e serviços sejam derrubados (já escrevi sobre isso na Folha: folha.com/no1597161). Mas é preciso ir além. O setor privado precisa fazer valer a Constituição e defender a rede.

    A ordem da juíza de São Bernardo foi claramente inconstitucional, como afirmou o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo ao revogá-la. Em decisões anteriores que exigiram bloqueios similares, as empresas de conexão à internet resistiram, declarando que eram "desproporcionais". Desta vez apenas a Oi recorreu.

    A internet é uma infraestrutura crítica do mundo contemporâneo, como é a eletricidade. É preciso garantir que ela permaneça neutra. Como diz o professor Tim Wu, mexer na "chave mestra" da internet é mexer também na chave mestra da democracia.

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    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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