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    Ronaldo Lemos

    Na crise, viramos fantoches na rede

    28/03/2016 02h00

    Há um paralelo entre o atentado em Bruxelas e o que acontece nas redes sociais no Brasil. Quando um fato de grande repercussão social ocorre, o primeiro impacto é o congestionamento. Todos buscam se comunicar, gerando sobrecarga nas linhas de celular, tornando o acesso à internet móvel lento ou inexistente. Diante disso, vários provedores de internet na Bélgica abriram conexão livre por meio de redes wi-fi, com capacidade muito maior, para escoar parte do tráfego.

    Logo a seguir vem a onda de incerteza e desinformação. No anseio da busca por notícias rápidas, começam a circular na rede vários dados falsos ou imprecisos, que são replicados massivamente. Estudos mostram que as informações falsas circulam três vezes mais que as corretas, publicadas depois. O dano é enorme.

    A recomendação nesses casos é contraintuitiva: não replicar qualquer informação sem checá-la antes. Evitar o desejo de "participar" do acontecimento retuitando ou compartilhando informações vindas de fontes não confiáveis, por maior que seja o número de pessoas fazendo o mesmo. Nesses momentos de grande comoção e agitação, extremistas com agendas políticas deletérias aproveitam para fazer circular suas mensagens. Esse é um dos principais efeitos desejados pelo terrorismo contemporâneo: criar uma situação de grande agitação na internet e pegar carona nela para disseminar sua mensagem.

    Situações como essas transformam as pessoas em veículos. Viramos agentes de disseminação ampla de mensagens pré-fabricadas, produzidas intencionalmente por algumas poucas fontes que sabem exatamente o que estão fazendo. Essa é exatamente a estratégia do Daech (o grupo que se autointitula "Estado Islâmico"). No artigo "Digital Counterinsurgency: How to Marginalize the Islamic State Online" (contrainsurgência digital: como marginalizar o Estado Islâmico on-line), Jared Cohen, do Google, identificou que a maioria das mensagens do Daech nas redes sociais originam-se de poucas páginas e perfis no Twitter. Elas produzem o "marketing" político do grupo, que é então replicado por seguidores transformadas em meros veículos.

    O Brasil tem vivido um permanente "estado de emergência". Mutatis mutandis, essas mesmas dinâmicas estão acontecendo entre nós. Um grande número de mensagens pré-fabricadas, geradas cuidadosamente por marqueteiros políticos de um lado e de outro, circulam todos os dias, chegando a você e a mim.

    O objetivo não é o debate, mas mera ocupação de espaço. São teses e antíteses incapazes de produzir qualquer síntese. Não passam de narrativas pré-concebidas com o objetivo de ocupar espaço. Quem quer debater de verdade (acredite, há muita gente querendo) fica marginalizado por esse estado de coisas. Muita coisa precisa mudar no Brasil. Entre elas, a necessidade de reclamar nossa esfera pública, hoje sitiada.

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    READER

    JÁ ERA Publicidade claramente identificável como tal
    JÁ É Publicidade 'disfarçada' em posts e conteúdos na internet
    JÁ VEM Aumento do uso da publicidade 'viral' com fins políticos

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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