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    Ronaldo Lemos

    CPI: a ameaça continua

    11/04/2016 02h00

    Na semana retrasada, a CPI dos Cibercrimes na Câmara publicou seu relatório final. Viu-se que a finalidade não era combater "cibercrimes", já cobertos amplamente na legislação do país. Mas sim criar um sistema de controle e censura na rede, o que levou a grande polêmica.

    O Comitê Gestor da Internet divulgou texto repudiando as propostas, classificando-as como violações do decálogo da governança da rede brasileira e como censura. Entidades globais condenaram o texto. Dentre elas a Web We Want, organização criada por sir Tim Berners-Lee, o criador da web, e a EFF (Electronic Frontier Foundation), reconhecida desde os anos 1990 pela defesa da liberdade on-line.

    No Brasil várias organizações se manifestaram. Entidades acadêmicas, empresários de tecnologia, ativistas e outros se posicionaram majoritariamente contra as propostas.

    Um lado muito positivo emergiu: os congressistas se dispuseram a ouvir as críticas. Vários parlamentares manifestaram-se publicamente contra as propostas. Os integrantes da comissão de relatoria do texto também tiveram conduta elogiável. Admitiram problemas e se dispuseram a corrigi-los, adiando a votação final do projeto.

    Tudo isso é louvável. No entanto, as modificações implementadas até o fim da semana passada não mudam o diagnóstico. Foi retirado, felizmente, o artigo que transformava sites e redes sociais em patrulha da rede, obrigando-os a remover conteúdos "acintosos" em 48 horas.

    No entanto, os problemas continuam. Um deles é o ataque da privacidade. A identidade de qualquer internauta, incluindo sua filiação, número de IP ("RG do aparelho conectado) e endereço físico, poderá ser revelada sem necessidade de ordem judicial. A mera instauração de inquérito dará carta branca às autoridades para requisitarem esses dados de qualquer usuário. Nos EUA, é preciso sempre autorização judicial prévia para isso.

    Outro problema que permanece é o artigo que prevê a censura pura e simples da rede, autorizando o bloqueio judicial a sites e aplicativos, diretamente na conexão (tal como no caso da derrubada do WhatsApp). Em 2010 tentou-se aventar medida semelhante nos EUA, que ficou conhecida como SOPA/PIPA. A reação foi enorme. Em protesto, a Wikipédia tirou seu site do ar, deixando uma página preta no lugar. Várias empresas e redes sociais fizeram o mesmo. Milhões de pessoas protestaram. Tenta-se agora exportar essa tentativa fracassada para outros países, no caso, o Brasil.

    A postura construtiva demonstrada pelos relatores da CPI poderia dar lugar a um encaminhamento positivo. Como está claro que não há consenso, a CPI poderia propor, em vez de propostas definitivas, um processo de consulta pública para os textos legais, tal como fez o Marco Civil. Ouviria assim toda a sociedade pela rede. Isso transformaria o limão da censura em uma limonada democrática. A CPI terminaria, assim, vitoriosa.

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    READER

    JÁ ERA Congresso com agendas positivas sobre a internet

    JÁ É Ameaça da CPI dos Crimes Digitais

    JÁ VEM Projeto de Lei 730 do Senado (ataca a privacidade tal qual a proposta da CPI)

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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