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    Ronaldo Lemos

    Colher o que não plantamos

    25/04/2016 02h00

    Nos anos 1970, a China era um país economicamente estagnado, de matriz predominantemente rural. A partir de 1978, introduziu as reformas que a conduziram à posição de carro-chefe da economia global.

    Uma delas foi a aposta nas tecnologias da informação e comunicação (TICs). No excelente livro "O Desenvolvimento da Indústria de Tecnologia da Informação da China" (On the Development of China's Information Technology Industry), Jiang Zemin (nomeado secretário-geral do PC em 1989) explica esse caminho. A escolha foi entender as TICs como infraestrutura essencial. Elas não são apenas mais um setor da economia, mas elemento capaz de aprimorar todos os outros setores, da agricultura aos serviços.

    Corte para 2016. O Brasil enfrenta gigantesca polêmica a respeito do anúncio de que boa parte dos serviços de banda larga será oferecida em modalidade limitada, com franquia fixa de dados –na sexta (22), em meio à controvérsia, a Anatel proibiu, por tempo indeterminado, o bloqueio de quem superar a franquia.

    Esse anúncio é em grande parte resultado de anos de descaso com a expansão da rede no país. Estamos colhendo o que não plantamos. O Brasil abdicou dessa discussão de forma estruturada há alguns anos.

    Isso fez com vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai ultrapassarem o país em número de conexões por cem habitantes. Na Colômbia, o plano "Vive Digital" é uma das bandeiras políticas mais importantes do governo. Já por aqui, até o "Banda Larga nas Escolas", anunciado com alarde em 2010, falhou nos objetivos.

    Isso mostra que as TICs não são vistas como essenciais para o desenvolvimento futuro do país. Para reverter isso, precisamos de um novo Plano Nacional de Banda Larga, que atue no curto, médio e longo prazo.

    As tarefas são muitas. É preciso estimular a inovação na camada de infraestrutura da rede, revendo o modelo regulatório criado em 1996 e já obsoleto. Incentivar novos entrantes e maior competitividade. Promover modalidades técnicas de conexão, do espalhamento espectral a drones.

    Pavimentar também o caminho para otimizar a rede no "atacado". Criar maior integração entre as infovias municipais e estaduais e com os países da região. Investir em pontos de troca de tráfego, anéis regionais de fibra óptica e cabos submarinos, além de abrir novos segmentos do espectro para a banda larga. Tudo isso barateia o custo da rede e gera mais capacidade, afastando o fantasma dos limites de franquia.

    A discussão jurídica que vemos agora é importante e serve para pressionar no combate aos sintomas, que ocorrem no topo da rede, mas não enfrenta a causa estrutural. O Brasil busca imitar a China no que ela tem de pior, como a censura na internet, tal como evidenciado pelas propostas da CPI dos Cibercrimes. Que tal imitar aquele país no que ele tem de melhor, como a compreensão, provada como verdadeira, de que conectividade é essencial para o desenvolvimento?

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    READER

    • JÁ ERA reinado isolado das lojas de apps nos smartphones
    • JÁ É baixar aplicativos no smartphone só por meio das lojas de apps
    • JÁ VEM baixar "chatbots" diretamente nos aplicativos de mensagens
    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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