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    Ronaldo Lemos

    Bloquear a internet está virando normal

    09/05/2016 02h00

    A semana passada começou com o bloqueio do WhatsApp e terminou com a aprovação do relatório da CPI dos Cibercrimes.

    Sobre o WhatsApp, a decisão que ordenou o bloqueio é equivocada. Ela cita erroneamente o Marco Civil da Internet como fundamento. Só que ele não permite o bloqueio de sites na infraestrutura da rede. Ao contrário, proíbe esse tipo de intervenção. O juiz citou o artigo 12 do Marco Civil, incluído por causa das violações de privacidade reveladas por Edward Snowden. Sua finalidade é proteger a privacidade, não o contrário.

    Por essa razão, o artigo prevê a "suspensão" e a "proibição" apenas de atos de "coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros de dados pessoais ou de comunicações". São ações que ocorrem no topo da rede.
    O que aconteceu com o WhatsApp é diferente. O aplicativo teve suspensa a "transmissão, a comutação e o roteamento" dos seus dados. Isto é, foi bloqueado na infraestrutura da rede, afetando todos os usuários do país.

    Sobre esse ponto, o Marco Civil é categórico. Ele diz no artigo 9º que, "na provisão de conexão à internet, onerosa ou gratuita, bem como na transmissão, comutação ou roteamento, é vedado bloquear, monitorar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados".

    Em suma, veda intervenções na infraestrutura da rede. Faz sentido. Elas são o que o professor da Universidade Columbia Tim Wu chama metaforicamente de ter acesso à chave-mestra ("master switch") da internet. É poder que, na visão dele, jamais deveria ser exercido. A internet é essencial demais para a vida contemporânea para ser "cortada". Por isso o Marco Civil diz que a rede é "essencial para o exercício da cidadania".

    Mas não é o que pensa a CPI dos Cibercrimes. O relatório aprovado na semana passada propõe oficializar o bloqueio de sites no Brasil. Se for adiante, o que ocorreu com o WhatsApp deve se tornar nosso novo normal.

    A proposta diz que qualquer site ou aplicativo em que "precipuamente" haja crimes puníveis com penas de mais de dois anos poderá ser bloqueado se não tiver escritório no país. Ora, a maioria absoluta dos sites, apps e serviços de internet não tem sede no país. Felizmente, graças à enorme pressão pública, a CPI excluiu da possibilidade de bloqueio "mensagens instantâneas" e crimes contra a honra.

    Mas incluiu inúmeras outras possibilidades no pacote, como violações de direito autoral, oferta de valores mobiliários sem autorização e assim por diante. Isso pode jogar areia em negócios inovadores como as fintechs, moedas criptográficas, sites de crowdfunding, blockchain e novos entrantes.

    Afinal, o Brasil tem mais de 10 mil juízes de primeira instância. Cada um deles poderá criar sua lista pessoal de sites que devem ser bloqueados no país, com efeito para todos os brasileiros. Vai ter muito país autoritário com inveja do modelo de controle da rede made in Brazil.

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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