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    Ronaldo Lemos

    Crowdfunding para financiar a política

    13/06/2016 02h00

    Em setembro de 2015 o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais as doações empresariais para campanhas políticas. A essa altura já ficou suficientemente claro como essa decisão foi acertada, já que a democracia brasileira tornou-se refém desse tipo de doação. No entanto, o STF criou um problema que precisa ser resolvido. É preciso reinventar a forma como as doações de pessoas físicas podem acontecer.

    Pela lei eleitoral, indivíduos podem doar até 10% dos seus rendimentos anuais. No entanto, o mecanismo para isso acontecer no Brasil é arcaico e engessado. Pode ser facilmente aperfeiçoado em face da realidade tecnológica atual. Um caminho óbvio para isso é permitir o crowdfunding (financiamento coletivo) para campanhas eleitorais.

    Esse modelo já se mostrou bem-sucedido. Foi essencial para as campanhas presidenciais de 2008 e 2012 nos EUA. Nesta última, Barack Obama levantou US$ 118 milhões dessa forma. Desse valor, 72% corresponderam a doações individuais de menos de US$ 1.000; 48% vieram de doações de US$ 200 ou menos. Seu adversário Mitt Romney também levantou US$ 60 milhões pelo mesmo modelo.

    A grande vantagem do crowdfunding é que ele funciona por meio da construção de comunidades. É uma ferramenta que ajuda a unir pessoas em torno de causas. O dinheiro é consequência disso.

    Inverte, assim, a ordem tradicional. No modelo das doações empresariais, o poder do dinheiro cria falsas mobilizações de cima para baixo. Pilantras são artificialmente projetados pela força do dinheiro na campanha eleitoral –mesmo sem possuir base real na sociedade– e acabam eleitos. Isso explica muitos dos tipos que desfilaram em rede nacional na votação do impeachment na Câmara dos Deputados.

    No crowdfunding essa lógica se inverte. Grupos de pessoas se unem em torno de uma causa, um candidato ou um partido. O dinheiro arrecadado é o resultado dessa mobilização prévia. Quanto mais gente se mobiliza e se sente representado por uma causa, mais força financeira terá o candidato que a representa. O próprio processo de arrecadação converte-se em construção política legítima.

    Por isso, para o crowdfunding decolar, é essencial permitir não só a realização de doações de pessoas físicas, mas também a livre mobilização pela internet em torno delas, antes e durante o período eleitoral. Como acontece nos EUA.

    Foi preciso um cataclismo como a Lava Jato para deixar claro como certas estruturas que movimentam a democracia no Brasil –as doações empresariais, por exemplo– eram essencialmente antidemocráticas.

    O crowdfunding é um bom primeiro passo para "democratizar" as engrenagens do sistema político. É uma ferramenta simples, transparente e capaz de produzir impacto positivo imediato. Sua adoção já para as eleições de 2016 seria uma resposta construtiva e inovadora a emergir deste momento sombrio do país.

    READER
    JÁ ERA Sequestrar a democracia por meio de doações empresariais
    JÁ É Fomentar doações de pessoas físicas organizadas por meio de crowdfunding
    JÁ VEM Usar blockchain como ferramenta de transparência e responsabilidade eleitoral

    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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