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    Ronaldo Lemos

    Batalha sobre 'copy and paste da genética' traz bilhões de perdedores

    12/12/2016 02h00

    Reprodução
    Técnica permite "editar" o código genético de organismos vivos
    Técnica permite "editar" o código genético de organismos vivos

    O economista Fritz Machlup afirmava que o sistema de patentes representava a vitória dos advogados sobre os economistas. Parece que os advogados acabam de triunfar também sobre os cientistas. Uma das tecnologias mais importantes deste século está sob intensa batalha judicial por causa de uma guerra em torno de sua patente.

    Trata-se da técnica chamada CRISPR. Para quem ainda não conhece, é o método que permite "editar" o código genético de organismos vivos. Isso permite, grosso modo, recortar e colar uma nova instrução genética com precisão e flexibilidade. Uma espécie de "copy and paste".

    O potencial da técnica é enorme. Há quem diga que abrirá caminho para curar vários tipos de câncer, eliminar a necessidade de pesticidas, salvar espécies em extinção e até acabar com a fome. É uma tecnologia que pode mudar nossos modos de vida. Até porque é relativamente barata e simples de usar.

    Neste ano, a técnica foi usada pela primeira vez em um ser humano, na China. A decisão foi controversa, e o caso está sendo acompanhando por cientistas de todo o mundo.

    O CRISPR já deveria ter motivado um Nobel e incentivado bilhões em investimento. Isso só não ocorreu porque a paternidade da técnica (e, por consequência, sua patente) é objeto de intensa disputa judicial. Uma com toques hollywoodianos, com acusações de sexismo, muito dinheiro envolvido e alta carga dramática.

    De um lado, o grupo conduzido pelo biólogo Feng Zhang, ligado ao MIT e a Harvard. De outro, o time da bióloga Jennifer Doudna, de Berkeley. Ambos chegaram a resultados similares praticamente ao mesmo tempo. O time de Berkeley foi o primeiro a pedir a patente. Mas o pedido do grupo do MIT e Harvard andou mais rápido, e a patente saiu antes.

    O resultado é a amarga batalha que se desenrola neste momento. Os vencedores ainda não são claros, mas os perdedores são muitos. Muitas empresas licenciaram a tecnologia com cada uma das partes. Só que, com medo, os investimentos estão paralisados. Além disso, há temores de que a parte vencedora da patente impeça ou dificulte novas pesquisas com a técnica.

    Em razão disso, há cada vez mais demandas por um modelo de ciência mais aberto, especialmente quando organismos vivos estão envolvidos. O biólogo Kevin Esvelt, do MIT, por exemplo, afirmou que "nem Berkeley, nem Harvard, nem o MIT deveriam ter patentes sobre o CRISPR. Isso seria um desserviço à ciência".

    Ele defende o compartilhamento das pesquisas científicas, permitindo, assim, progresso mais rápido e maior segurança contra a possibilidade de acidentes genéticos.

    Quem perde mesmo com a batalha são os milhões (bilhões) de pessoas que podem se beneficiar da técnica CRISPR. Elas incluem de pacientes que sofrem com doenças crônicas a habitantes de países que lutam contra a fome. Boa hora para revisitar a frase de Machlup e repensar o sistema de patentes à luz do progresso científico e do interesse público.

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    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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