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    Ronaldo Lemos

    Multiplicação das identidades digitais

    11/12/2017 02h00

    Wilson Dias/Agência Brasil
    Hidrolândia (GO) - Votação simulada testa urnas biométricas que identifica o eleitor por meio da impressão digital. A tecnologia inédita em eleições no Brasil será usada em 60 municípios que, hoje (21), estão promovendo uma eleição simulada. A votação servirá ainda para testar os sistemas do TSE de transmissão de dados e treinamento de pessoal. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
    Tudo indica que vamos repetir no universo digital os mesmos erros históricos que cometemos com relação a identidades físicas no país

    Está em curso um verdadeiro milagre no Brasil: a multiplicação das identidades digitais. Tudo indica que vamos repetir no universo digital os mesmos erros históricos que cometemos com relação a identidades físicas no país.

    Nesse quesito, somos líderes globais em confusão. Temos a carteira de identidade, que é emitida pelos Estados. O CPF, emitido pela Receita Federal. O título de eleitor, a carteira de motorista, o certificado de reservista, a carteira de trabalho, as carteiras de entidades profissionais, e assim por diante.

    Essa bagunça leva a situações insólitas. Há pouco tempo foi identificado um indivíduo com 47 títulos eleitorais, 43 carteiras de identidade, sendo 23 emitidas na Bahia, 12 em Minas Gerais e 8 em Goiás, 2 carteiras de trabalho e 2 certificados de reservista. Além disso, no início de 2016, a CGU descobriu que 47,6 mil CPFs estavam sendo utilizados por mais de uma pessoa.

    É nesse contexto que o país resolveu avançar na "digitalização" desses documentos. O TSE anunciou a criação do e-Título, aplicativo que permite acessar uma via digital do documento pelo celular. A carteira de motorista digital, que é hoje oferecida por alguns Estados, está sendo prometida para todo país em fevereiro de 2018.

    Já a Receita Federal aceita há algum tempo o vergonhoso e-CPF, explorado por um punhado de agentes privados que cobram cerca de R$ 180 ao ano para criar uma versão digital do CPF do contribuinte. Esse preço resulta, na prática, na exclusão de 95% da população do país da possibilidade de ter um "e-CPF".

    Essa multiplicação das identidades digitais, em vez de ser uma boa notícia, só vai adiar o problema. O caminho que deveria estar sendo seguido é a criação de uma única identidade nacional digital certificada, controlada pelo cidadão. A informação se a pessoa está habilitada a dirigir, a votar, ou a pagar seus impostos ficaria atrelada a essa única identidade, que poderia ser carregada no celular. Esse documento digital controlaria de forma segura e privada todos os dados da relação entre o cidadão e o poder público: prontuário de saúde eletrônico, histórico escolar, dados de Previdência, benefícios sociais, bilhetes de transporte público e assim por diante.

    O que estamos fazendo é criar uma miríade de semi-identidades digitais, capazes de realizar uma única função. Cada uma gerenciada por um órgão distinto.

    Para completar, neste ano foi aprovada a lei que criou o DNI (Documento Nacional de Identidade). Na prática, o DNI virou só mais um documento. Que poderia inclusive figurar em uma música do Zeca Pagodinho, porque ninguém nunca viu, nem tirou e nem ouviu falar.

    Estudo recente do Banco Mundial mostra que 1,1 bilhão de pessoas no planeta não possuem identidade. Já o Brasil é um país tão desigual que, para algumas pessoas, está sobrando identidades. Para quem mais precisa de uma, está faltando. A identidade digital é o novo "santo graal" da administração pública. Já perdemos tempo demais trafegando na estrada errada sobre esse tema.

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    ronaldo lemos

    É advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. Escreve às segundas.

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