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    Rosely Sayão

    Criança pode?

    10/11/2015 02h00

    Criança pode assistir a novelas? A partir de que idade e em qual horário? E assistir aos noticiários diários da televisão, junto com os pais, é indicado? Criança deve comparecer a funeral de pessoa querida da família? Dá para explicar à criança como o bebê vai parar na barriga da mãe?

    Essas e outras questões e situações têm incomodado pais e adultos que convivem de perto com crianças. É compreensível: estamos muito confusos em relação a elas porque o mundo mudou e, por isso, as convicções que tínhamos em relação ao que era bom e o que não era para as crianças caíram por terra. Agora, estamos sem parâmetros seguros para agir com naturalidade frente a questões e situações, muitas vezes delicadas, que elas vivenciam e questionam. Vejamos alguns exemplos.

    O João tem cinco anos e frequenta uma escola de educação infantil particular. Outro dia, perguntou à mãe quando o pai batia nela, já que ele não via isso acontecer. Espantada, a mãe perguntou por que ele achava que o pai a agredia, ao que ele respondeu:" A professora falou que homem que bebe bate na mulher, e o pai toma cerveja".

    A Marina tem quatro anos e disse, em casa, que viu o "pipi" do professor que dá aula de música em sua escola. A mãe armou um escândalo, falou com outros pais, fez um abaixo-assinado e conseguiu fazer com que a escola demitisse o professor.

    Já o Pedro, 10, reclamou chorando, em casa, que o professor de educação física sempre põe a mão em suas coxas quando fala com ele; seus pais conversaram com a direção da escola, que afirmou que criança dessa idade "inventa histórias", e não tomou nenhuma atitude. Os pais decidiram transferir o filho de escola.

    Num mundo em que há diversidade de contexto e de situações proporcionados às crianças, de educação praticada pelos pais e, principalmente, em que o acesso das crianças a quase tudo o que acontece no mundo adulto é inevitável, o desenvolvimento dos mais novos é tão diferente que a idade já não é mais um referencial seguro.

    Há crianças de sete, oito anos, que podem conversar a respeito da sexualidade tranquilamente, e outras que rejeitam o assunto ou se angustiam com o tema. Do mesmo modo, há crianças que criam medos paralisantes quando ouvem notícias de tragédias, e outras que não se afetam com isso.

    Qual o melhor parâmetro, então, a ser adotado pelos adultos que educam crianças, para agir com -pelo menos um pouco de- segurança em relação a elas? A própria criança: ela dá os sinais do que já pode suportar e do que não pode, do grau de profundidade que pode alcançar em relação a um tema, se a curiosidade que apresenta pode ser adiada ou não etc.

    Mesmo com tantas mudanças, uma coisa ainda é certa: na primeira infância, as crianças vivem uma lógica radicalmente diferente da do mundo adulto: nessa fase elas fantasiam e levam ao pé da letra o que ouvem, por exemplo. Uma criança de dez anos não fantasia: ela pode ocultar fatos, mentir ou transformar um pouco a realidade, mas isso não significa que todas fazem isso. É preciso sempre ouvir cuidadosamente a criança para ter mais dicas dos caminhos a tomar.

    E mesmo assim, caro leitor, erraremos. Sempre. Os mais novos, no entanto, superam a maioria de nossos erros.

    rosely sayão

    Escreveu até julho de 2017

    Psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.

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