• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 13:47:44 -03
    Rosely Sayão

    Situação de ódio que tomou conta de nós tem afetado as crianças

    22/03/2016 02h00

    Quando acontece uma tragédia, as crianças e os jovens se inquietam, se angustiam. As crianças sofrem porque, muitas vezes, não têm condições de compreender as causas de tais tragédias. Como entender, na infância, que pessoas morram apenas por estar em um determinado local, ou que um pai ou uma mãe seja acusado de matar o filho?

    Essas situações roubam das crianças a sensação de segurança, tão necessária para seu bom desenvolvimento. Elas se sentem fragilizadas, vulneráveis e impotentes! Elas não têm, ainda, recursos para se defender das emoções que as assaltam. Já os jovens, estes ficam desesperançados, angustiados e apáticos, porque sabem que é esse mundo, com tanta violência, que estão prestes a enfrentar sozinhos, como adultos.

    A situação de ódio que tomou conta de quase todos nós neste cenário político nacional tem afetado muito os mais novos. Diversos professores e pais, sensibilizados com o que veem acontecer com seus alunos e filhos, têm me solicitado ajuda. Crianças sendo agredidas por seus pares sem sequer entender o motivo da agressão, e jovens sendo hostilizados e excluídos de seu grupo, simplesmente porque arriscam ter uma opinião diferente da maioria são fatos que têm ocorrido com bastante frequência.

    Criamos uma cultura de violência, talvez por não termos ainda condições de trabalhar bem o conflito. É que a violência é uma das estratégias para anular o conflito. Hoje, em nome dos mais novos, peço uma trégua na forma violenta com que temos agido para defender nossas convicções políticas. Vale lembrar que ser violento é, sim, uma atitude política! Ser político é ter compromisso com o futuro, e os mais novos são o nosso futuro. Mas o que vemos neste momento?

    Muitas crianças experimentando o medo, sem saber por que estão sentindo essa emoção. Crianças replicando ódio externado pelos adultos e do qual são testemunhas, mas sem que tenham, elas mesmas, motivos para isso. Crianças assustadas, inseguras, fragilizadas, angustiadas e até doentes é o que temos conseguido criar. E os jovens? A maioria tem dito que "todos os políticos são corruptos" e isso pode significar uma grande indiferença em relação à nossa vida política. Porém, se os jovens não se interessarem por política, nosso futuro fica comprometido.

    Um indício de que os jovens estão sendo afetados foi a presença –ou melhor, a ausência– deles nas últimas manifestações que ocorreram em nosso país. Segundo o Datafolha, a presença de jovens com até 25 anos nas duas maiores manifestações ocorridas recentemente foi mínima. Isso é preocupante!

    Podemos e devemos batalhar por nossas posições políticas, mas sem ódio, se não para garantir padrões mínimos de civilidade, pelo menos para preservar a saúde emocional de nossas crianças e a vontade política de nossos jovens.

    Vamos buscar a cultura da paz, da justiça e do respeito, porque os mais afetados com a situação que temos experimentado não somos nós: são nossas crianças e nossos jovens, que aprendem conosco a viver e a conviver, pacífica ou violentamente, e a atacar ideias ou pessoas.

    Vamos –ao menos tentar– suspender nossas hostilidades, nos desarmar, aquietar emoções destrutivas e deixar de tratar adversários políticos como inimigos, em nome da segurança e da saúde afetiva de nossas crianças e de nossos jovens. Eles são nossa responsabilidade!

    rosely sayão

    Escreveu até julho de 2017

    Psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024