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    Rosely Sayão

    Dedicação costuma esconder vontade dos pais de satisfazer a si mesmos

    07/02/2017 02h00

    Ricardo Ferrando/Fotolia

    Li na Folha, no último domingo, uma reportagem de Jairo Marques que nos contou que um jovem pai largou o emprego, investiu todas as suas economias e, com a ajuda de amigos, projetou uma cadeira de rodas para que a filha, de três anos, paraplégica, pudesse explorar o ambiente com mais liberdade.

    Já não são muitos os adultos que se sacrificam pelos filhos. Você pode discordar, caro leitor, provavelmente porque conhece pais que trabalham em demasia para oferecer uma boa educação aos filhos –isso significa pagar a mensalidade cara de uma escola considerada boa– e para oferecer a eles o que eles próprios não tiveram.

    Ocorre que, por trás dessa aparente dedicação aos rebentos, o que costuma haver é a vontade dos adultos de satisfazer a si mesmos. "Olhe como sou boa mãe/bom pai, faço de tudo para que meus filhos sejam felizes e tenham um bom futuro" nada mais é do que uma busca de um bom julgamento do outro, e nem sempre tem a ver com filhos.

    Bem, mas sacrificar a carreira, o emprego e algumas convicções e ideais para ceder espaço ao filho já é outra história, não é verdade? Por isso a história desse pai me afetou tanto. Ele deixou-se de lado para priorizar a filha no que ela precisa muito neste momento da vida.

    Em oposição a essa história tão bonita, lembrei-me de um filme chamado "Os Nossos Meninos", cujo roteiro nos leva a acompanhar até onde os pais vão pelos filhos, mas não de modo positivo.

    A história fala de dois irmãos –um médico e um advogado criminalista–, de suas rivalidades, dos julgamentos que fazem um do outro e de seus relacionamentos familiares. Os dois têm filhos adolescentes e os primos costumam sair juntos.

    Após uma noitada, provavelmente regada a drogas, os dois jovens cometem um assassinato e logo os pais identificam seus filhos como os autores. Como há leitores que não gostam de saber o desenrolar da trama, vou dizer apenas que o filme nos permite refletir sobre o que alguns pais podem fazer para "salvar" seus filhos do que eles fazem, de seus atos, acreditando que fazem o melhor que podem por eles. Mas, em geral, fazem o pior.

    Não precisamos de assassinatos como exemplos na vida cotidiana. Quem não conhece pais que usam o comércio de atestados médicos para "salvar" o filho de uma prova zerada por falta? Quem não sabe de pais que burlam a lei e ajudam seus filhos a tirar documentos falsos só para que frequentem baladas? Quem já não ouviu falar de pais que, chamados à delegacia pelo fato de os filhos adolescentes terem sido flagrados em ambiente público fazendo uso de drogas –lícitas ou ilícitas– ofereceram dinheiro para que os filhos fossem liberados sem que sofressem nenhuma consequência?

    Enquanto os filhos estão sob nossa responsabilidade, precisamos de muito mais do que satisfazer suas "vontades" e caprichos para vê-los felizes. Precisamos nos dedicar tanto à sua formação moral para que, quando forem autônomos, saibam ser éticos ao fazer suas escolhas, quanto ao ensino do respeito à lei –não me refiro apenas às leis jurídicas– para que tenham saúde mental e saibam conviver de modo civilizado. Precisamos, principalmente, apontar os caminhos que nos permitem levar uma vida boa –não no sentido material e de intensos prazeres.

    rosely sayão

    Escreveu até julho de 2017

    Psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.

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