• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 22:53:14 -03
    Rubens Ricupero

    Iguais aos Bourbons

    04/02/2013 06h00

    "Os Bourbons", escreveu Napoleão no começo dos Cem Dias, "não esqueceram nada e não aprenderam nada." Referia-se às lições da Revolução Francesa e tinha razão: com a queda de Carlos 10º, 15 anos depois, os Bourbons desapareciam para sempre da história da França.

    Os governos dos EUA e da Europa são iguais aos Bourbons: pouco ou nada aprenderam com a crise financeira. Quando provocaram a crise, os cinco bancos "grandes demais para quebrar" possuíam ativos correspondentes a 43% da economia americana. Inexplicavelmente, o governo deixou que chegassem agora a 55%, aumentando ainda mais o risco sistêmico!

    Em cada aniversário da crise, a tônica dos comentários é de surpresa com o tempo que está durando essa incerta superação. A mim o que espanta é outra coisa: a ausência quase total de mudanças significativas, como as realizadas por Franklin Roosevelt durante a Grande Depressão dos anos 30. As poucas reformas introduzidas na lei bancária dos EUA se encontram em permanente perigo de revogação devido ao poder do lobby financeiro.

    No âmbito internacional, o G20 se viu condenado à irrelevância pela recusa de americanos e ingleses de permitir que ele se ocupe de sua razão de ser: a regulamentação de derivativos e produtos financeiros tóxicos, a reforma da arquitetura financeira com vistas a evitar a repetição de crises similares.

    Como nada se fez para eliminar os incentivos aos bancos para assumirem riscos excessivos, os escândalos se repetem a cada dois ou três meses. Já não se trata dos esqueletos escondidos de antes da crise; agora, as estafas nascidas da inesgotável criatividade criminosa dos bancos pertencem todas ao período pós-crise. Uma das últimas, inimaginável até sua recente exposição, consistiu na conspiração de alguns dos maiores bancos mundiais para manipular a taxa Libor em escala planetária!

    Nenhum dos celerados foi julgado e enviado à prisão; nenhum dos bancos admitiu culpa. Todos se safaram pagando multas bilionárias que não será difícil recuperar. Os governos de Washington e Londres, palmatórias do mundo em matéria de hipócrita condenação seletiva de delitos alheios, rivalizam no zelo suspeito de enterrar os escândalos sem julgamento público!

    Os Bourbons sonhavam em voltar à "doçura de viver" pré-Revolução. Seus sucessores sonham com a "normalidade" pré-crise. Esquecem que, da mesma forma que a "doçura" do Antigo Regime, a "normalidade" do atual se ampara em três monstruosidades: desigualdade crescente, desemprego maciço e destruição do equilíbrio climático.

    Um quarto dos empregos nos EUA paga salários abaixo da linha de pobreza. O desemprego na Europa atingiu 12%, 25% na Espanha e na Grécia, 60% entre os jovens!

    Não é só o aquecimento global que constitui a maior falência de mercado da história, nas palavras do relatório Stern. A desigualdade e o desemprego não ficam atrás.

    Querer resolver com maiores doses de mercado três problemas derivados de falhas de mercado é repetir a suicida incapacidade bourbônica de esquecer privilégios e aprender com as lições da história.

    rubens ricupero

    Escreveu até março de 2015

    Foi secretário-geral da Unctad, ministro do Meio Ambiente, da Fazenda, embaixador em Genebra, Washington e Roma.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024