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    Rubens Ricupero

    Calamidades urbanas

    17/02/2014 05h02

    "Até agora o Brasil não teve capacidade de administrar nenhuma cidade com mais de 500 mil habitantes." Ouvi essa frase há 55 anos de meu saudoso professor de geografia no Instituto Rio Branco, Fábio Macedo Soares Guimarães.

    Naquele tempo, talvez só duas ou três cidades superassem 1 milhão de pessoas. Hoje, há quase 20. As de meio milhão se aproximam de 40; são 300 as de 100 mil. Continuamos um fracasso em gerir as maiores. Agora até as pequenas e médias multiplicam engarrafamentos de trânsito, inundações catastróficas e criminalidade fora de controle.

    Há pouco, o minúsculo município de Itaoca (SP) sofreu deslizamentos que mataram quase 30, cifra espantosa em qualquer país, menos aqui -o incidente recebeu baixa cobertura e foi celeremente esquecido.

    Com 86% da população morando em cidades, o Brasil é mais urbanizado que muitos países da Europa Ocidental. O Ministério das Cidades deveria ser o foco coordenador da ação do governo como um todo, uma vez que nossos problemas graves decorrem da complexidade das sociedades urbanas.

    Em vez disso, desde que foi criado em 2003, o ministério converteu-se em sinônimo de fisiologismo. Um urbanista de valor como Jorge Wilheim, que acabamos de perder, jamais teria chance de chefiá-lo, apesar de ser dos raros dotados da competência e da longa especialização requeridas pelo órgão.

    Aprender a gerenciar a complexidade da moderna sociedade urbana poderia ser a definição atual de desenvolvimento. Quando lemos que a Suécia está fechando alguns de seus presídios-modelo por falta de presos, sentimos inveja não da riqueza dos suecos, mas da capacidade que tiveram de gerir a vida urbana de maneira a reduzir o crime.

    É claro que essas coisas vão juntas. Ser desenvolvido é saber ter economia próspera, mas é saber igualmente administrar escolas primárias, creches, universidades, museus, parques naturais, presídios.

    Em outras palavras, é processo que envolve o conjunto da sociedade, que não se resigna apenas a poucas ilhas de excelência –depende de educação de qualidade que seja uniforme em toda a população.

    Nosso fracasso urbano se denuncia na falta absoluta de planos de contingência para calamidades. Se tivermos uma tempestade perfeita, isto é, a coincidência de inundações catastróficas com alagamento das marginais, paralisia do tráfego, apagões elétricos e de comunicações, o provável é que mergulhemos no mais completo caos. Como ocorreu em 2006, no ataque do PCC, para o qual não existia nenhum plano, em contraste com o que sucede na Colômbia, por exemplo.

    O que ocorre hoje, com colapsos quase diários de trens, metrôs e ônibus obrigando trabalhadores a andar quilômetros após um dia exaustivo, deveria merecer atenção ao menos igual à dedicada ao debate sobre PIB, inflação e ajuste fiscal.

    A macroeconomia influi, e muito. Não basta, porém, para dar solução prática aos problemas do cotidiano. Esses problemas estão nas cidades, onde vivem e morrem as pessoas. Sem menosprezar o resto, temos de aprender a gerir as cidades para que se tornem o espaço humanizado da vida

    rubens ricupero

    Escreveu até março de 2015

    Foi secretário-geral da Unctad, ministro do Meio Ambiente, da Fazenda, embaixador em Genebra, Washington e Roma.

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