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    Ruy Castro

    A vida e a morte no bolso

    02/02/2013 03h30

    RIO DE JANEIRO - Nunca antes na história da humanidade isso aconteceu. Mas, hoje, uma pessoa pode sair à rua levando no bolso, juntamente com carteira, chaves e chicletes, toda a biblioteca que ela tem em casa. Ou a Biblioteca Nacional. O que fará na rua com essa quantidade de livros resta em aberto. Mas é incrível imaginar que, com um celular, um cidadão pode se sentar num banco de praia e folhear, digamos, a Bíblia de Gutenberg, o romance "Alzira, a Morta Virgem" e a caudalosa poesia de Sousândrade numa só sentada.

    Se quiser, pode flanar levando também sua discoteca inteira, desde a série de disquinhos que ouvia em criança, incluindo "A História da Baratinha", até sua coleção completa de Thelonious Monk ou a íntegra da obra de Mahler. Cabe tudo num aparelho que vai no bolsinho caça-níqueis, plugado a um fone de ouvido.

    E não sei se o fulano terá como levar o Louvre, o Prado e o Guggenheim no bolso --porque, por enquanto, aqueles milhares de quadros cheios de cores ainda devem ser uma carga muito pesada para um celular. Mas talvez isso nem seja necessário --com o dito, você pode baixar Velázquez, Seurat, Norman Rockwell e quem mais estiver dando sopa na "nuvem". A qual, parece, não tem limite.

    Mas nem tudo é tão bonito. A engenhoca que permite ler, ouvir ou apreciar as maravilhas criadas pelo homem é a mesma que torna possível a alguém andar pela cidade com o arquivo da CIA ou do Mossad no bolso interno do paletó --com informações que, à pressão de uma tecla, podem derrubar presidentes, desarticular sistemas de defesa ou levar países à guerra. Ou transportar as combinações capazes de acionar um ataque químico ou uma bomba atômica, decidindo o destino de bilhões.

    E só porque, um dia, alguém quis telefonar da rua para a namorada e não havia um orelhão à mão.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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