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    Ruy Castro

    O a em perigo

    13/09/2014 02h00

    RIO DE JANEIRO - Há meses, ao ouvir falar que a Polícia Federal deflagrara a Operação Lava Jato, pensei que se referisse a um esquema ilegal de lavagem de aviões. Com esse nome, fazia sentido –imagine a quantidade de jatos no país, todos precisando ser lavados depois de horas de voo acumulando gosma na fuselagem. Se você costuma lavar o seu carro aos sábados, imagine lavar um avião. Alguma empresa especializada devia estar superfaturando o kaol, a flanela ou o sabão.

    Quando me disseram que se tratava de uma investigação para desmontar um baita esquema de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, sonegação fiscal, participação no mercado clandestino de câmbio, desvio de recursos públicos, destruição de provas, corrupção de agentes federais e recebimento de propinas e comissões de até 50%, envolvendo um doleiro com extensas relações no meio político e um importante diretor da Petrobras, tudo isso movimentando mais de R$ 10 bilhões –caí das nuvens. Que, por sinal, é de onde os jatos costumam cair.

    Se fosse menos distraído, eu teria ligado a expressão "lava jato" às oficinas assim chamadas, dedicadas a lavar, não jatos, mas carros –e que, se fossem administradas por pessoas mais ciosas da língua portuguesa, deveriam chamar-se "lava a jato". Ou seja, rapidinho. Há até uma peremptória regra de gramática a respeito –que, pelo visto, nós, da imprensa, decidimos ignorar. Daí essa investida dos diversos órgãos saneadores ter se tornado a Operação Lava Jato. Sem o a.

    Temo que isso faça parte de uma conspiração nacional contra o emprego do a. Não se diz mais "daqui a três meses", mas "daqui três meses". Nem "comecei a fazer", mas "comecei fazer". Nem "voltamos a apresentar", mas "voltamos apresentar". Já reparou?

    Cuidado. Primeiro, eles apagam o a. Se deixarmos, apagarão o b.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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