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    Ruy Castro

    Prestígio boiando

    22/07/2015 02h00

    RIO DE JANEIRO - Três biografias lançadas em Paris contam em detalhes: o francês Le Corbusier, talvez o arquiteto mais influente do século 20 e cujo cinquentenário de morte será lembrado em agosto, era ultranacionalista, racista, antissemita, fascista, fã de Hitler e Mussolini –e tudo isso por escrito. Em 1940, comemorou a tomada de seu país pela Alemanha e colaborou abertamente com o governo-títere do marechal Pétain, em Vichy. Com a derrota do nazismo em 1945, deve ter se sentido como cachorro que cai do caminhão de mudança. Mas, pelo visto, nada abalou sua reputação.

    Por muito menos, outros franceses sofreram no pós-Guerra. Maurice Chevalier foi crucificado por ter cantado para os alemães na Ocupação. Louis-Ferdinand Céline, autor de "Viagem ao Fim da Noite", só faltou ser cuspido pelos colegas. E Arletty, estrela do filme "O Boulevard do Crime" (1944), de Marcel Carné, levou a vida tendo de se explicar por que namorou um oficial alemão ("Meu coração é francês, mas minha bunda é internacional").

    Já Corbusier ficou incólume. Seus adoradores brasileiros, Lucio Costa e Oscar Niemeyer, homens de esquerda, olharam para o outro lado. Morreu afogado aos 77 anos, em 1965, no Mediterrâneo, mas seu prestígio continuou à tona, boiando.

    Claro que as simpatias políticas de um artista não devem ser consideradas na avaliação de sua obra –exceto quando se confundem com esta. E os estudiosos começam a ver no autoritarismo da arquitetura de Corbusier um traço do nazifascismo.

    Engraçado, nada disso me soa como surpresa. Corbusier esteve no Rio em 1930 e, vendo a cidade de avião, imaginou "jogar uma partida" contra a natureza. Desenhou o Rio tomado de ponta a ponta por um minhocão tentacular e tentou vender o projeto. Ufa, não conseguiu. E foi um milagre Lucio e Oscar não terem levado adiante a ideia.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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