RIO DE JANEIRO - No faroeste "Um de Nós Morrerá" ("The Left-Handed Gun", 1958), de Arthur Penn, o jovem Paul Newman faz o pistoleiro Billy the Kid. Billy é uma lenda do Oeste americano, assim como o cachorro Rin-Tin-Tin e o cacique Touro Sentado. Mas o grande papel do filme é o de Moultrie, interpretado por Hurd Hatfield, ator a quem Hollywood deu poucos papéis à altura de seu talento (foi o protagonista de "O Retrato de Dorian Gray", de 1945, e ficou marcado pelo personagem).
Moultrie é um sujeito de profissão indefinida. Pela roupa, pode ser jogador profissional, contrabandista de armas ou pastor protestante. Descobre Billy desde o início e tem por ele um fascínio quase gay (o filme é baseado numa peça de Gore Vidal). Passa a segui-lo e começa a escrever cartas para alguém "no Leste", narrando as aventuras do ingênuo, analfabeto e belíssimo Billy, que, com sua mão esquerda – ninguém mais rápido para sacar a arma –, vai liquidando um a um os assassinos de um ex-patrão.
As cartas chegam aos grandes jornais e, amplificadas pela imaginação do pessoal "do Leste", transformam-se em livretos populares de enorme sucesso, que fazem de Billy – à revelia deste e do próprio Moultrie – um herói nacional, totalmente fictício. Nesses livretos, Billy é um gigante invencível, todo de preto com tachinhas prateadas, e tão irresistível que o próprio Moultrie começa a acreditar no que lê.
A trama se desdobra e, já no fim, Moultrie se defronta com um Billy amargo, desmoralizado, reduzido à sua miserável humanidade e que, ainda por cima, o agride. E só então, chorando, Moultrie enxerga Billy na sua verdadeira dimensão: "Você não usa as tachinhas prateadas. Não é um herói. Você não é ele!".
Ontem, as ruas de 400 cidades do Brasil estavam cheias de gente que, um dia, acreditou num Lula the Kid que nunca existiu.
É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.