RIO DE JANEIRO - Sábado último (19), num restaurante da Lapa, 14 velhos jornalistas ofereceram um almoço a Carlos Heitor Cony pelos seus 90 anos. Em comum entre nós, além da admiração por Cony, o fato de que, um dia, todos pertencemos ao "Correio da Manhã", o jornal em que, com sua coluna, em 1964, ele deflagrou a resistência contra a ditadura. Nem todos trabalhamos com Cony nesse tempo. Não importava. Ter sido do "Correio da Manhã" nos tornava irmãos, e irmãos de Cony.
Os jornalistas, por ordem decrescente de idade, eram Idalicio de Oliveira, Maurílio Ferreira, Nilo Dante, Fuad Atala, Erno Schneider, Sebastião Marinho, Aziz Ahmed, Argemiro Ferreira, Pery Cotta, Bertholdo de Castro, Luiz Carlos de Souza, Amicucci Gallo, Nacif Elias e eu. Nossas idades somadas – Bia Cony e Heloisa Seixas, também presentes, fizeram as contas – resultaram em 1.181 anos. Doze séculos. Mais um pouco, e Dante Alighieri podia estar ali conosco.
Uns pelos outros, aqueles homens viram o fim do Estado Novo, o suicídio de Getulio, o governo JK, a renúncia de Jânio, o golpe militar, o AI-5, a luta armada, a lenta abertura, a morte de Tancredo, o impeachment de Collor, o lulopetismo e, agora, muitos já aposentados, acompanham outro momento grave. Os jornais de hoje se beneficiariam da vivência de crises dessa turma.
O restaurante era o Brasil, com seus 109 anos. A 200 metros dali, na avenida Gomes Freire, estava o próprio "Correio da Manhã". Não o jornal, claro, silenciado de vez aos 73 anos, em 1974. Mas seu prédio art déco, com as iniciais "CM" ainda na porta de ferro e o nome completo no alto da fachada – lindamente restaurado, mas agora servindo a outros fins.
Graças a Cony, parecia que, ao fim do almoço, iríamos voltar para o jornal, subir correndo à Redação pelas escadas e ter de novo 20 anos.
É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
quartas, sextas e sábados.