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    Ruy Castro

    Camisa da seleção agora é para assoar o nariz

    20/07/2016 02h00

    Claudio Reyes/AFP
    Brazil's David Luiz gestures during the Russia 2018 FIFA World Cup South American qualifier match against Chile, in Santiago, on October 18, 2015. AFP PHOTO / CLAUDIO REYES ORG XMIT: MSN074
    O zagueiro David Luiz, durante partida contra o Uruguai pelas eliminatórias para a Copa do Mundo 2018

    RIO DE JANEIRO - No fim de semana, a TV mostrou a despedida de Pelé da seleção brasileira há 45 anos. Foi no dia 18 de julho de 1971, no Maracanã, num amistoso contra a Iugoslávia escolhido para a ocasião. A partida terminou 2 a 2, mas o placar, o adversário e o jogo não importam. O grande momento foi no fim do primeiro tempo, quando o locutor anunciou pelo alto-falante que chegara a hora, e Pelé daria a volta olímpica.

    Pelé começou a correr em torno do gramado, ao coro de "Fica! Fica!" gritado por 140 mil torcedores. Em certo momento, enquanto corria, tirou a camisa, e o simbolismo desse gesto foi demais para todo mundo. Era como se a estivesse tirando pela última vez, porque nunca mais a vestiria. Pelé começou a chorar –e a enxugar as lágrimas com a camisa.

    Ele tinha então apenas 30 anos. Pela idade e a condição física, sempre perfeita, poderia continuar a servir ao Brasil por muito tempo. Mas Pelé já tinha também 14 anos de seleção, pela qual marcara 95 gols e vencera três das quatro Copas do Mundo que disputara. Por sua causa, o futebol penetrou em selvas e salões de países que nunca haviam se interessado por ele, e aprenderam que a camisa amarela era o símbolo desse futebol. Não havia lenço mais adequado para aquelas lágrimas.

    Pelé fez da seleção um objetivo a ser alcançado por qualquer craque –jogar ao seu lado no ataque do Brasil equivalia ao ingresso na elite, a um diploma de doutorado, a um passaporte para sempre. Mas ele próprio respeitava demais a camisa da seleção para continuar a vesti-la se se tornasse uma sombra do que fora.

    Hoje, a seleção é só um estorvo para seus convocados sob contrato com times russos, árabes e até chineses. E a camisa amarela reduziu-se ao pano mais à mão para um jogador –que, aliás, nem deveria estar ali– assoar o nariz ao fim do jogo.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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