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    Ruy Castro

    O estigma da cantora-fantasma

    06/08/2016 02h00

    Divulgação
    My Fair Lady
    Cena do filme "My Fair Lady", com Audrey Hepburn e Rex Harrison

    RIO DE JANEIRO - Morreu em Nova York, aos 86 anos, uma cantora chamada Marni Nixon. Você provavelmente não a conhece. Mas já se cansou de escutá-la — e admirá-la. Basta se lembrar de quando assistiu, no cinema, na TV ou em vídeo, a musicais como "O Rei e Eu" (1956), com Deborah Kerr, "Amor, Sublime Amor" (1961), com Natalie Wood, e "My Fair Lady" (1964), com Audrey Hepburn, e se surpreendeu com essas estrelas como cantoras. Pois tinha razão em se surpreender — quem cantava por elas no filme, sem crédito, era Marni Nixon, uma profissional da ópera.

    Parecia o crime perfeito. Os estúdios omitiam seu nome na tela, obrigavam-na por contrato a não revelar sua participação e insinuavam que, se ela contasse, nunca mais trabalharia em Hollywood. Marni obedecia. Mas não podia evitar que alguns se perguntassem, por exemplo, de onde Audrey, com seu sopro de voz em "Cinderela em Paris" (1957), tirara aquele vozeirão para interpretar "I Could Have Danced All Night" em "My Fair Lady". Ou por que a voz de Natalie em "Amor, Sublime Amor" não era a mesma que cantava em "Gypsy" ("Em Busca de um Sonho", 1962) e soava diferente de novo em "À Procura do Destino" (1965).

    A morte dos estúdios nos anos 70 decretou o fim desses segredos. Desde então, sabe-se que Anita Ellis cantava por Rita Hayworth em "Gilda" (1946) e Annette Warren por Ava Gardner em "Show Boat" ("O Barco das Ilusões", 1951). Ou que Debbie Reynolds, ao supostamente cantar por Jean Hagen em "Cantando na Chuva" (1952), estava sendo, na verdade, dublada por Betty Noyes.

    A própria Marni depois contaria sua história numa autobiografia e em muitas entrevistas, e prosseguiria sua carreira lírica, respeitada por maestros e compositores sérios.

    Mas, coitada, nunca se livrou do estigma a que os estúdios a condenaram: o de ser uma cantora-fantasma.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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