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    Ruy Castro

    Abrindo coquinho

    28/10/2016 02h00

    Tiago Falótico/Nature
    Macaco-prego usa pedra para quebras coquinhos
    Macaco-prego usa pedra para quebrar coquinhos

    RIO DE JANEIRO - Aconteceu há 2 milhões de anos, com alguns hominídeos — os parentes remotos do ser humano — que não tinham muito o que fazer. Um dia, eles começaram a bater pedras uma na outra. Com o choque, elas se quebravam e ficavam mais curtas e afiadas. Em poucos milhares de séculos, os mais espertos perceberam que aquelas pedras com gume podiam ser usadas para cortar alimentos, galhos de árvores, cipós. Mais alguns milênios e, para a transformação das lascas em machados e facas, foi um pulo. Daí à agricultura, à caça e à gastronomia, outro pulo.

    Bem, já sabemos como essa história terminou. Eles se organizaram, derrotaram seus inimigos e dominaram o território. Não contentes, desenvolveram a fala, a escrita e a internet. E aprenderam a mentir. Uns pelos outros, o homem estava pronto. A princípio, nem ele sabia que mentia. Mas logo descobriu que, mesmo que suas palavras não tivessem a ver com a realidade, podia dizer o que quisesse porque seria levado a sério do mesmo jeito.

    A ciência revelou esta semana que a mentira é progressiva. Quanto mais mentir, mais uma pessoa mentirá e induzirá outra a mentir, e essas mentiras serão cada vez maiores e mais aptas a convencer. Chegará a um ponto em que a mentira generalizada passará por ser a verdade, e, ironicamente, quem tentar denunciá-la é que será acusado de mentir. Talvez até levem essa acusação à ONU.

    Tudo isso para dizer que, neste ano de 2016, famílias de macacos-pregos da serra da Capivara, no Piauí, têm sido observadas batendo pedras umas nas outras e usando as lascas para abrir coquinhos.

    Já se pode prever o que sairá daí. Os macacos-pregos aprenderão a falar, a mentir, construirão um sistema inteiro de governo baseado na mentira e, no futuro, dá-lhe de apreensão de documentos e delações premiadas para desmontar esse aparato.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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