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    Ruy Castro

    A conta chegará em seguida

    14/11/2016 02h00

    John Moore/Getty Images/AFP
    Dependente químico injeta heroína nos EUA; país debate criação de centros para consumo legal da droga
    Dependente químico injeta heroína

    RIO DE JANEIRO - Reportagem de Luiz Fernando Toledo no "Estado de S. Paulo", há duas semanas, revela que a heroína, opioide extraído da papoula, chegou à Cracolândia. Segundo a polícia, está sendo vendida na Luz, na região central de São Paulo, por um grupo de nigerianos e tanzanianos. Produzida na Ásia, ela vem em pó, a ser fumada em cachimbos, como o crack — ou, seu canal preferencial, injetada.

    Estava demorando. De 20 em 20 anos, o mercado brasileiro recebe, a princípio timidamente, um novo produto: a maconha nos anos 50, a cocaína nos anos 70, o crack nos anos 90 e, agora, a heroína. É o tempo necessário para surgir uma nova turma, disposta a encarar algo mais potente que o usado pela geração anterior. A entrada em cena de um produto não corta o fornecimento dos produtos anteriores, donde podem legalizar o que quiserem — sempre haverá algo para o traficante vender.

    A heroína não é recreativa. Não é uma droga para duros ou diletantes. Uma vez fisgado — o que acontece quase quando se é apresentado a ela —, o usuário pode contar com uma relação para sempre, e muito cara de sustentar. As primeiras doses são nirvânicas, mas todas as seguintes serão apenas para impedir que ele passe mal — muito mal. A quebra dessa dependência é a mais difícil e dolorosa que existe.

    Os jazzófilos sabem da devastação que a heroína produziu entre seus músicos nos anos 50 — saxofonistas Charlie Parker, Art Pepper e Stan Getz, trompetistas Red Rodney, Miles Davis e Chet Baker, pianistas Thelonious Monk e Ray Charles, baterista Art Blakey, cantoras Billie Holiday, Anita O'Day e Annie Ross, muitos mais. Todos, grandes músicos – não por causa da heroína, mas apesar dela.

    É uma droga de gente educada e de classe média. Não faltarão curiosos a fim de experimentá-la. A conta chegará em seguida.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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