• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 11:50:01 -03
    Ruy Castro

    Centenário ou não

    19/11/2016 02h00

    Divulgação
    ORG XMIT: 083001_0.tif Música: o músico Donga, que em 1917 registrou como seu o samba "Pelo Telefone". (Foto Divulgação)
    O músico Donga, que em 1917 registrou como seu o samba "Pelo Telefone"

    RIO DE JANEIRO - No dia 16 de dezembro de 1916, o violonista Donga registrou na Biblioteca Nacional um "samba carnavalesco" que chamou de "Pelo Telefone". Dali a dias, o cantor Baiano gravou-o na Odeon. O disco tornou-se o grande sucesso do Carnaval de 1917 e, no futuro, seria eleito o primeiro samba da história. Tanto que, nesta e nas próximas semanas, estamos comemorando o seu centenário.

    Mas não há centenário mais flexível. Para meu amigo Alvaro Costa e Silva, ele está sendo comemorado com três anos de atraso — porque, em 1913, já se gravara um samba, "Em Casa de Baiana". E, nos anos imediatamente seguintes, segundo outro amigo, o infalível pesquisador Jairo Severiano, sairiam outros 22 discos rotulados como samba. Então, por que tanto cartaz em torno de "Pelo Telefone"? Porque foi o primeiro disco a fazer sucesso com a palavra samba impressa no selo.

    Impressa no selo, note bem — porque, exceto por isto, "Pelo Telefone" nem é samba, mas maxixe. Para muitos, entre os quais eu, os sambas de verdade — doces, amorosos, sensuais — só começariam a ser feitos em 1928 ou 29, pela turma de Ismael Silva, Newton Bastos, Bide e outros, no bairro do Estácio. O que deu origem a uma querela: para Ismael, o samba de Donga era maxixe; para Donga, o samba de Ismael era marcha. Mas só Ismael tinha razão.

    O engraçado é que Donga se via como o único autor de "Pelo Telefone", quando todos sabiam que a música era criação de uma chusma de pessoas — uma delas, ele próprio — que se reuniam para cantar e dançar na casa de tia Ciata, influente doceira, quituteira e macumbeira da praça Onze. Donga apenas lhe deu a forma final e a registrou.

    No que fez muito bem porque, dele ou não, samba ou não, centenário ou não, de "Pelo Telefone" nasceu um mundo que até hoje nos inspira.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024