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    Ruy Castro

    O imenso laranjal

    23/12/2016 02h00

    Raquel Cunha/Folhapress
    MARICA - RJ 02.12.2016 - Nelma de Sá Saraça, 42, trabalha como domestica, é mãe de 4 filhos e vive com dois filhos, neta, irma e sobrinha num conjugado de quarto e sala em Marica. Ela foi apontada como laranja do ex-governador Sérgio Cabral. Ele e dois de seus operadores investigados na operação Calicute usavam telefones registrados em nome falsos. O telefone usado pelo peemedebista para se comunicar com executivos de empreiteiras, o ex-secretário de Governo Wilson Carlos e o economista Carlos Emanuel Miranda, ambos apontados pelo Ministério Público Federal como operadores da quadrilha, estava em nome de Nelma.(Foto: Raquel Cunha/Folhapress, PODER) ***EXCLUSIVO***
    Nelma de Sá Saraça, doméstica, usada como laranja pelo ex-governador do Rio, Sérgio Cabral

    RIO DE JANEIRO - Fui amigo de Ivan Lessa (1935-2012) por 40 anos e tínhamos várias fixações em comum: baixos profundos como Billy Eckstine, Al Hibbler e Herb Jeffries, artigos de Kenneth Tynan, filmes com Maria Montez e Sabu. Nossa única discordância se devia à sua mania de chamar o Brasil de "Bananão". Eu achava a classificação injusta – não que o Brasil não fizesse por merecer, mas porque não se aplicava tecnicamente.

    O termo "República das bananas" foi criado em 1904 pelo contista americano O. Henry, que se refugiou numa delas para fugir à polícia de seu país. A dita república era Honduras, com seus espessos bananais, mas o epíteto definia também o Panamá, Cuba, Haiti, a Nicarágua e a República Dominicana, todos dominados pela United Fruit por volta de 1900. O presidente Teddy Roosevelt (1901-09) gostou da expressão e decretou que os EUA tinham o direito de intervir nas "Repúblicas das bananas" quando quisessem.

    O Brasil, por produzir café, ficou meio a salvo dessa categoria. Além disso, os EUA nunca se meteram a bestas conosco — não ostensivamente. Depois, diversificamos a produção e até nos industrializamos. Mas Ivan não se convencia. De sua janela em Bolton Gardens, Londres, onde passou seus últimos 34 anos, continuou a nos ver como o "Bananão".

    Mas eu estava certo, e a Lava Jato tem provado isso a todo instante no noticiário. A cada corrupto ou corruptor exposto nas investigações, surgem dezenas, centenas de "laranjas", que emprestaram seus nomes ou empresas — amigos, filhos, cunhados, mulheres, ex-mulheres, caseiros, faxineiras, gráficas, oficinas, borracharias, "consultorias" e o que for, todos fantasmas, sem falar num certo lava-jato em Brasília —, pelos quais escoaram bilhões em propinas, caixas dois, "palestras", imóveis, joias.

    "Bananão"? Não. Um fértil e imenso laranjal.

    ruy castro

    É escritor e jornalista. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda. Escreve às segundas,
    quartas, sextas e sábados.

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